sábado, 29 de outubro de 2016

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

UM AINDA CHEIRO TEU


Um ainda cheiro teu
Em outros soutiens -
Cheiro moreno de flor forte -
E outros lábios de romã
Ainda teus.
Meio crianças
Não entendemos de morte
E de seus lugares escondidos
Em outras pernas e outros peitos,
Ainda namoramos.

PARA QUINTANA (Sem O Ter Conhecido)



Quintal
E pai distante,
Cama e relento,
Rosa de distante perfume
E de vento
Mais que espinho,
Quintana por Quintana
E caminho - encruzilhada -
Até o dia.

ECO DA CANÇÃO DO MARTELO



Poderia falar de facas,
De vontade de chorar,
De um amor escondido,
Esperando sua vez,
Mas, hoje, a caneta está moribunda,
Num torpor febril de maleita:
Febre fria e muita vontade de descanso.

Desejo muito, moça,
Que enfies o que sobrou
De um grande amor
Na latrina,
Já que teu olho, agora,
Brilha enamoro
De vitrina.


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

SOLITUDE



- O que fazem todas essas pessoas,
Sentadas, na beira da estrada? -
Perguntou o vendedor de livros
À sua sombra.
- Como? Não sabes?
Ontem mesmo passaram à tua porta
E lhe perguntaram qual o lado
Onde brilhava o sol -
Replicou a sombra
Ao vendedor de livros.
- Não tenho respostas pra tudo,
No entanto, olham-me
Decepcionadas -
Desculpou-se o vendedor de livros
À sua sombra.
- Mandaste seguirem o vento,
Apenas isto. Não te olham decepcionadas:
Olham, em você, o vazio
De terem pernas próprias -
Consolou a sombra, enquanto
Uma imensa nuvem negra
Desolava, na beira da estrada,
O vendedor de livros.

FLAGRANTE



Crio a saudade menina
De ver
Teu maroto aguachar
Desmazelo a embaraçar
Líquidos cabelos -
Pelos sutis -
Liquefeita mulher.

Na janela do espelho
Ouriços anis
Ao sol do chuveiro.
Degelado beijo
Azulejo.

SOB O CÉU



Venha menina,
Ver o que secou da primavera
E o vento não levou.
Abra, também,
Teus olhos
Já que no buraco onde escondemos
Todo o longe fica perto e,
No azul do céu que é teu
Mora, junto, meu deserto.

De que importa saber da fome
Mordendo o calcanhar
E rostos sem olhos
Chorando um grito,
Morto no portão? -

Tem dono o meu e o teu coração.

De que importa saber da fome
Quando, na mais podre e negra miséria,
A boca ainda come?
- Nosso céu de carvão.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

HYPNOS



Daqui a pouco
O sono vai cobrir a casa
E o soluço do mundo,
Oco - melodia esquecida -
E pouco,
Vai, de tarde
E arroto,
Escalar teias de aranha
Onde canetas
E rascunhos desleixados
Engoliram,
Em blues,
O tudo.

INVERNO



















Vou me ver
Onde eu e você
Já não mais brincamos:
Isso parece coisa de velho:
Ficar procurando olhares em todo canto -
Seria isso meu avô,
Em dias de outono,
Quentando sol
Na sua cadeira?

A lógica infantil de grego -
O sol há de trazer
As velhas histórias 
No seu velho jeito de teimoso -:
Compadres do sol?

Eu e você já não somos
Mais eu e você
E contentamos
Em procurar sobras -
Pedaços de histórias
Em falta de convicção
Enganando a razão -:

A sem-vergonhice
De menina envergonhada
Pega sem vestido.

PASSEIO



Andando no pasto,
À tardinha,
Encontrei uma poesia
Não minha.
Juro que pensei
Em dividi-la
Contigo.
Envergonhei-me
Ao vê-la fugir, linda,
No voo de uma andorinha.

Não há nada a te levar,
A não ser algumas penas.
Talvez um choro a ensaiar
Em troca do teu poema.

Brindei minha alma ao diabo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

CEMITÉRIO DE AVIÕES



Uma coisa o céu disse
E eu não ouvi.
Você também não.
Já faz algum tempo
Que nós não somos
Mais atenciosos, não é?
Não temos mais visto e,
Porém,
Estamos tentando -
Outras salivas
Que não as de
Cigarro apressado.
Outras mortes.
Esta nossa mania de querer,
De simplesmente.
Algumas flores
Jogadas no vento.
Pra que tanto perfume vão?
Não temos mais
Jeito com rosas.
Esquecemos como se é forte.

Outro dia é tudo.
O sol, a alma rasa,
Casa de anteontem,
Destelhada -
Todo o concreto
De não ter chão -
O inferno.
Nosso demônio banguela,
De sorriso amarelo,
A estrada de depois...
Vamos chorar nossa vontade
Escondida de orgulho.
Outras pernas,
As mesmas penas,
Cachorros pitocos
Em frente ao dono -
Um mar,
Depois da meia-noite,
Sem tubarão e água suja.

Daqui a pouco
A cegueira de ver
Um ao outro,
Nada que já não temos -
Treinamos com afinco
Quando a distância é pequena,
Mas ainda é.

Só sinto alguma coisa
Que não digo.
Você também
Não disse mais nada.
Tem um círculo
Quebrado em volta da terra:
Uma linha esquecida.
De repente,
Haverá um mar sobre nós
E estaremos longe
Da ilha de sol,
De gaivotas.
Esse negócio de história
Assusta!
Vão haver espelhos
E sempre haverá alguma coisa
Mais ou menos igual.
Talvez então a ilha,
Vivendo uma história requentada,
Não nossa.
Quem foi inventar a saudade?
Pura pretensão.

Mas sinto alguma coisa
Que não digo.
Depois dessa de telefone
Temos visto o diabo
Mais de perto.
No meio de nossa gente
Faminta,
Portas trancadas
E um seco de vinho
Escapando sem querer
Em fim de madrugada.
Haverá uma lua-cheia
E depois mínguas
E águas em janeiro,
Mas daí até a sede
Muitos camelos.
Olha lá o sol
Em cima da tua cabeça!
Eu tenho este peso.
Talvez, daqui a pouco,
Nem mais cabelos;
Talvez,
Muito na frente,
Ainda viva minha gente e,
Numa venda,
Lá quando era ontem -
Calabresas na parede,
Estórias de tarde -,
Entre um pouco de você
Pra levar sol
Quando você estiver em casa.
Pode ser que eu
Caia em mim,
Com mão enrugada
E um copo quase acabado -
Como pude ficar
Tão velho tão ontem
E nem esperar você crescer...
Pingas,
Minha gente
E estorias de fim de tarde.


BEATLES' 65

Tenho o tempo todo
Ao meu lado -
Num ardil de marceneiro
Posso forjar farpas
E lançá-las ao vento,
Viramundo enxerido
Abrindo e fechando portões
Aí fora, onde, 
Supostamente, 
Moras -
Não, não sou eu
Quem está chegando... -;
Posso farejar paixões traídas -
Ofício de cachorro desocupado:
Cadê o osso que estava aqui?
Ouvir músicas que,
Um dia, 
Repartiria contigo:
"Ontem o amor era um jogo
Fácil de se jogar,
Agora preciso de um lugar 
Pra me esconder".

Além de tudo
Estou aprendendo falar
Língua de livro de história -
Os sorrisos de meus irmãos
Rejuvenescidamente cansados,
Caminham a estrada,
Na qual,
Permaneço sentado:
"Será que alguém 
Irá ouvir a minha história?"


MESQUINHARIA




Afastem a vida de minhas mãos
Se não puder bater afagos,
Afagar socos,
Sufocar acenos,
Acenar afogos:

Âmago queimado
De rum e madrugada:
Nada, nada, nada
Além do inferno -
Diabos volverão atrás da porta
Dispensando perdão
E conclamando vida, vida,

Vida suja e mesquinha
Só minha, só minha, só minha:

Alfanjem minhas mãos -
Por último,
Entenderei de sangue e
Sarjeta
Embebidos de chão.

MARULHO





Um beijo de zarabatana,
Arquitetado,
Erra o alvo
Dos teus cabelos de sol
Numa beira de cais.
Rápido,
Depois de tudo passado,
Um choro de anzol
Tarde demais.

sábado, 1 de outubro de 2016

A CORTE



Quando você voar,
Solta, qual andorinha
Deixará, talvez sem querer,
Escapar raio de sol
Das asas, 
Prendendo,
Num rastro celeste,
O medo de meu reino.
Sem pudor, então,
Cochicharei estrelas.

NARCISO QUEBROU O ESPELHO



Borges nunca se leu.
Por quê?
Não é problema meu.

Eu, às vezes me leio
E, como em todo livro,
Diria é que me enleio.

INFERNO


Eu são os outros
Quando estou no breu.

Noutros hão eu
Velando a fé dos potros.

AS DÚVIDAS IRÃO EMBORA



As dúvidas irão embora,
Eu sei.
Pode até o sol nascer
Outra vez.
Estarei frio esperando o preço
Das promessas
Nas juras quebradas.

Suspeito que o mundo anda por aí
Sem me dar muita atenção.