sábado, 30 de julho de 2016

CHUVA-DE-MANGA



Anda por aí
Sem entender a poesia
Dos livros
E até sente vergonha
De se ver tão miserável,
Roubando o enamoro
Do céu, cheirando a terra,
Em meio aos campos
Esquecidos da cobiça.

Faça a apologia da descrença,
Amigo que crê mais que pensa.

Chuva, quando andas
Por estas bandas,
Diz mentiras de enxurrada.
Que tu tens rastro de cheiro
É sabido até por ribeiros,
Mas ninguém não fala nada.

POESIA REVISITADA



Deixe a chave na porta,
Pelo lado de fora:

Sempre me canso rápido
Dos meus passeios noturnos
E tenho muito medo do ladrão,
Que há em mim,
Se prender na incerteza
De encontrar a casa vazia.

Ah... e se não for pedir muito
Deixe a luz acesa,
A pena no tinteiro
E o cigarro sobre a mesa.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

O CAUSO MAL CONTADO DO CHICO MALUCO




Chico Maluco ganhou o mundo cedo.
Uns dizem que foi jogar bola no Mato Grosso
Onde conquistou uma cidadezinha, com o futebol, suas histórias
E sua viola,
Outros dizem que Chico Maluco conta muita mentira.
Talvez até tenha deixado lá muita saudade,
Outras histórias e a filha do prefeito
Apaixonada.
Vai saber...
Chico Maluco tinha sempre uma música nova
Que, de nova não tinha nada
E, atrás da música,
Tinha sempre uma história,
Então, a música era nova.
Gostava de trepar nas árvores,
Fumar
E contar umas mirondas
Que a gente gostava de acreditar,
Depois ponteava, ponteava...
Todas aquelas modas eram de Chico Maluco,
Simplesinhas, simplesinhas
Como ele dizia.
Chico Maluco deixou
Um monte de amigos pra trás,
Talvez só pra lembrá-los
Nas pescarias.
Sm dúvida,
Ele pescou o maior entre todos,
E teve as mais bonitas namoradas
Chegando, até mesmo,
A desvirginar algumas -
Coisas de Chico Maluco.
Brigava fácil pra ter seu mundo
No lugar.

Na próxima vez que  for pescar,
Sem dúvida,
Lembrarei de Chico Maluco.

SONETO ENCIUMADO



Menina do cabelo assanhado
E do andar manso de um cisne que ama,
Vou pesadelar noites de cama,
Pato-feio de um teu namorado.

Só noite e eu ainda ando assombrado
Da sombra do teu beiço que engana,
No meu, uma vontade sacana
De morrer por saber enganado.

No teu beijo, um beijo meu perdido,
Menina, a maldade de um outro achar
Canto bobo no canto escondido,

De choro, um outro canto por amar,
Não sei se pode haver um vestido,
Mas o céu, ah! esse, vou encontrar...

FIM




Nunca ter o amor
Ao qual todos têm o direito.
Sons;
Partida;
Luzes;
Velórios.

A chuva veio consumar a morte
E consumou também
A morte do meu amor.


TALVEZ OUTONO



Vou inventar, de novo,
Minhas noites
E os açoites serão suaves;

Terá brisa de janela aberta
Ventando a triste lua-cheia.

Você, sem dúvida,
Tem cheiro de colheita
E volta todo ano
A passear os pastos.
É fácil quando dormem -
Por que teimas maltratar-me?

Se quiser inventar, de novo,
Minhas noites
Do fundo do meu sono
Você não entristecerá
Os melancólicos rios mudos
Com gosto de estrada cansada

E de tanto lugar nenhum
Vai dar em nada.

Você tem cheiro
De roça de algodão à tarde -
Talvez não saiba
(Nem ninguém saberá) -:

Meus versos têm preguiça
E demoram a sonhar.

sábado, 23 de julho de 2016

IARA



No meio da confusão,
Um verso,
Caído,
Estatelado no chão,

No seio da multidão,
Imerso, 
Doído,
Feito ausência de perdão.

Noite clara,
Beijo d'água
Nina o sono
Onde Iara
Chove mágoa
Regando abandono.

Novos sacis
Pululam secas folhas,
Nos velhos gibis
As portas do fundo
Esquecendo acalantos
Abre o mundo.

MEU PAI É FORTE



Meu pai é forte
Feito retrato preto e branco -
Saúde de fotografia -
E mais esperto que a maioria.
Hoje pra enganar a morte
Está disfarçado de velhinho,
Mas vai ao banheiro sozinho.


TRANSFIGURAÇÃO



Todos os mares;
Todos os rios;
Cada manhã;
Cada verão;
Cada olhar;
Todos os gestos;
Os mais tardios
E os mais precoces
Ocasos;
As confusas pernas;
As inconsistentes salivas;
As tênues asperezas
Nas línguas;
As mesmas estrelas mortas
E a não mesma terra
Ainda vendo, indo;
Os bafos de inverno;
As madrugadas dos atos
Inconsequentes;
As filhas prontas;
As novas camas;
Os novos amores
Pesados em se ter amado
Um dia;
As Babilônias;
As choupanas;
As luas e os bêbados -
Estranho prêmio ao brilho;
Os cânceres;
Os hospitais;
Os hospícios;
Toda a loucura
Classificada e polida
A vida;
Marte logo ali;
A sarjeta fria;
Os tubarões;
Os supermercados;
A televisão;
O dia diferente
Do homem diferente
Da vida diferente
Dos iguais;
As ilhas;
A política;
A polícia;
Os mocinhos e
Os bandidos;
As fomes
Nascendo e morrendo
Feito homens;
As fragatas;
As matas;
O pó;
O asfalto e as
Filosofias;
Os mártires
Anônimos das tramas;
O fogo;
Heráclito;
As revoluções;
O pensamento;
O vento;
Cristo;
As árvores e os capins;
A noite de espera;
Um novo filho;
A guerra e, no fim
Da terra,
Os voos;
Os carros;
As drogas;
As missas;
Os domingos;
Semanas;
Impérios;
Napoleão;
Mistérios;
Santos;
Josés, Marias e
Eternos encantos
Encantando;
Marés;
Peixes inspirando
Redes;
Paredes;
O fim do outono;
As primas;
As rimas e,
Simplesmente
Naquele brilho
Despretensiosamente
Já visto, com espanto,
Você, rindo sem saber
Da eterna trama,
Num canto.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

MARESIA



Morena
Na praia
Sem pena
Sem saia
Serena
Samambaia.

ALFA QUASE BETA



Do reino de palavras perdidas
Levantarão fantasmas,
Velhos e conhecidos
Para cozer a noite
E trazer o prêmio
Às pernas insensatas,
Portanto não se assuste
Se, de seu sonho,
Me pegar dormindo -
Já gravei teu nome
Para o caso
De uma relativa importância
Afetar dois pontos -:
Tenho sustos disfarçados
Mais fracos que os teus
Que são rosas
Toscas
E entendem de dançar o vento.

TROPEÇO



O menino percebeu,
Na namorada,
Um certo sorriso
No canto esquerdo do olho
E quando foi embora,
Custou a dormir.
Depois sonhou que caia,
Caia longamente e sabia
Que antes de bater no chão,
Iria acordar.

DESPEDIDA



Por que ir agora?
Não sabemos da memória
De nossas cadelas?
Quem sabe
O tempo de uma
Saideira -
As singularidades
Desmontadas
Do teu desenrolar
Nós?
Uma estação
Faminta
Nos leva de espera
No meu trem que vem,
No teu trem que vai
E,
No fogo da hora -
Efêmera trama
Sensata -
Tiro o chapéu
Pra Nietzsche
Dando-te
Adeus
(Até logo).

terça-feira, 19 de julho de 2016

DEZEMBRO



Não chove mais,
Não chove -
Tristeza como esta
Não houve,

Meu rincão,
Minha tristeza
Coberta de chão!

Não chove mais,
Não chove...

A beleza vem depois
Que a chuva tiver lavado,
Tiver levado o campo
Pra ver o mar.

Não chove mais,
Não chove...

Tanta tristeza,
Tanta reza

A beleza vem depois
De tanta reza,
Tanta chuva...

Vomitando mananciais
Deus ouviu
Tarde demais,
Ouviu demais.

COLÓQUIO



- Um bom poeta deveria,
Também, pensar política -
Disse-me, certa vez, um amigo
E nem reparava nas vísceras
Estabanadas, ganhando a porta
De saída da Corporação.

- Um bom poeta deveria
Olhar mais para o próprio umbigo.

TROVA UMA OVA

Uma coisa eu te digo
Com rima ou sem rima:
És amigo mais que amigo,
Ari Valério de Lima.

A mim vale tua amizade
Amicíssima de sobrar,
Amizade de compadre
Que espero não passar.

Mas já que passa vento,
Passa boi, passa boiada,
Do fundo do pensamento
Passo-te uma mulher pelada

(Que, espero, irá gostar).
Se não, não se encuque:
Gosto é de quem gostar
E gosto não se discute,

Agora, se enchi-lhe o ego
Ou lhe deixei sisudo,
És amigo, não nego,
Desculpe-me por tudo.

sábado, 16 de julho de 2016

LAÇOS DE FAMÍLIA



Tiraram minhas armas
E quebro a cara por aí,
Na raça,
Na graça
De ter colhões
Para morrer.

Sorriem-me bom dia
E vão fazendo suas vidas
Com a cor da minha.
Bebamos um trago,
Brindemos à sobriedade
Das famílias felizes
Jogando ossos e restos
Ao lobo cansado,
Enquanto a nobreza
Não vem -
No teu mal
Que não é meu
Que mal tem?

ABRAÇO



Um dia, quem sabe,
Falta de ar
E nem vontade de morder,
Só respirar
E morrer...

CONVALESCENÇA



Súbito, na mão,
A caneta
Luzidia feito o punhal
Carregando milhões
De vidas esvaídas -

Cansada de sangrar
A poesia espera
Outra cor,
Daquelas do rir
Sem se lembrar,
Do amor que se esquece
No amor.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

INTANGÍVEL



O dito pelo não dito.
Só palavras, mesmo.
Com elas
Furtamos cores,
Mas teve um beijo
De não-boca,
De vento no cabelo,
De cheiro de alguma flor
Que não lembro.
E as quinas, hein menina?
Vento encanado,
Ping-pong...
Pensando sem cabeça
Na Irlanda.
Lendas
De pretas rendas
Pra que falar?
Nos pensam
Bancos e pedras
E ruas em amnésias
De quinas
E uma abóbora.
É, menina...


MORREU UM POETA



- Morreu um poeta! -
Gritaram no mundo.
Hão de abrir suas tripas
E ler suas vísceras
Ao sol profundo,
Secas;
Morreu um poeta vagabundo
Que esqueceu a poesia
Num canto de boteco,
Na putaria,
Morreu um poeta
De uma morte qualquer,
De gangrena
Gonorreica,
Cirrose,
De chaga,
De praga de mulher -
Morreu um poeta
Quando deus quiser.

FIM DE BAILE



As crianças já foram dormir
Senhora que procura
Barcos fortes em meio a tormentas!
Precisava tanto álcool
Em meus olhos
Para, enfim, não notar
Morta aquela luz?
Repila afagos temporãos
E vá embora:
É fácil não deixar-me olhar
Mais - o fundo do poço!

É até engraçada
A necessidade de palavras:

Você não sabe como ardia
Em vodca e coca-cola
As minhas possibilidades de soluço!

As crianças ainda sabem
O rumo de casa.

Fico triste
E o mundo caminha em linha reta.

sábado, 9 de julho de 2016

MEU QUERER



Meu querer hoje é frágil,
Água límpida de fonte,
E nem pretendo torná-lo forte.
Quero antes velá-lo
Como a um bebê - pequenas coisas
Que inspiram a morder.

E acho também
Que meu querer é caco de vidro,
Fragmento de um todo irrecuperável,
Mas, agudo no toque:
Reflete um pouco do sol
E quase todas as estrelas.

COSME DE RONDÓ



Quero o poema mais bonito
Na hora em que a noite
E o dia se esbarrarem,
Sem perceber.
Vou guardá-lo
E você não saberá
Se me acorda ou embala:
Em meu sonho dia de labuta,
Hora de plantar as tempestades,
Fugindo nas copas das árvores,
Um susto, rabiscado no teu livro
E o olho arregala.

RESTOLHOS





Desculpe-me
Mas toda vez que sinto falta de morte
Não consigo
Não olhar pra você

E pensei tanto em céu!

Estava ali
E eu sabia
Não ser a vida
Tanta estrelaria

E pensei tanto em céu!

Desculpe-me
Mas sentia falta
Em doer-me tanto o coração
Só por doer:

Saber contar de um a dez
E esperar o tempo passar.
Um:
Tive dez mundos
Mas não gostei de nenhum.
Dois:
A vida assenta
E o que vem depois?

PREVISÃO



Um dia,
Venderei minha poesia
E, então, estarei vingado:
Toda tua ironia,
Covardia,
Trocarei por alguns cruzeiros
Ou, quem sabe,
Novos cruzados:
Zero a menos,
Zero a mais...
Tanto fez,
Tanto faz...

Mas, pensando bem,
Todo o preço não pagará
O que você me fez:
Menino
Com vontade de casa,
E saudade de chorar.

Compondo breguesia
De ressacamarga cerveja,
No fundo, com gosto
De música sertaneja.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

PALHAÇO NA CORDA BAMBA EM DIA DE CHUVA E SABÃO

















Esse sou eu
De versos íngremes
Nos dedos.
As poças de lama,
Na calçada,
Miram minha cabeça
Deixando o ritmo
Do coração
Seguir inquieto
E vão.
Esse sou eu
De mundo inteiro
Na mão.
Palhaço na corda bamba
Em dia de chuva
E sabão.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

ESQUINAS


                   

                 Tenho fé nas tantas e tantas quebradiças juras dos veres de supetão, das costas, dos óculos esquecidos. Tantas verdades malquistas desmentindo as minhas flores. Não tem problema. Às vezes teu, nos lampejos de moleque, nos livros de história e nas lagartixas com seus nomes exatos - a falta de você não mais errar.

ESPERA

 

                                                 Para o seu Servídeo
                                               
                                               
                                                 "Canto infinito e breve
                                                  Abro os braços, planto leve,
                                                  Colho novas cantigas
                                                  No meu quintal."

                                                                Gutemberg Vieira

Aquele peixe, sem dúvida,
Iremos pescar juntos -
Temos as iscas e as linhas,
Cada um à sua maneira, não é?
É só esperar o tempo
E contar suas histórias
Enganando os bobos desígnios
Dele brincar com a gente.

Balela, essa de se pescar homens.
Homem não se fisga não...
Se faz no tato e no cascalho,
No esmeril e no malho
Às vezes, imperfeito:
Impaciente -

Os peixes vão estar lá:
Não têm pudor em esperar.

ORAÇÃO



Guarde meu sorriso na velha mala,
Embaixo do travesseiro,
Pois quando eu voltar trigueiro
Meus sonhos deitam, sem lhe acordar,


Meus beiços sonham, sem beijá-la,
Senhora morta do meu vagar.

PRÉ-ILÚDIO (Ou Confissões de Gêmeos)



Sou qual curva de estrada:
Inconstante e falso
Mas avaro.

TEUS OLHOS DEITARAM



Teus olhos deitaram
Sobre os meus tão rápido
Ali na calçada
E ali mesmo ficaram.

E você não sabe, moça,
Da tempestade
Embevecidamente surda
Ganhando a cidade.

Brincando de namorada
Sabendo sem saber
Meus olhos de chuva
Bebendo enxurrada.

DIÁLOGO



Por que choras
Alma enclausurada,
Não foste sóbria,
Bem-amada?

Despertei-me da vida
Num colchão de escarpas,
Inda tenho, sentida,
Uma falta de chagas.

ORGASMO



Esqueça a poesia
Assim que os olhos
Sentarem no banco de pedra
Em meio à praça
Do último verso

Na vez em que misturarmos
Paire o desespero do voar
Sem asas
Chova a terra convulsão embriagada
Afobe a cãibra do caminho
Na água rasa.
Misturando gente
E madrugada

Brilhe o sol no céu do mar
Mais nada.

VERMELHO E AZUL



Da outra vez,
Vou chorar em vermelho e azul,
Tendo teus olhos
E na frente o sul.
Anos e mágoas
E hoje o visto
Por não ver.
Vou sonhar
O me ver
Em você.

PRA QUANDO FINADOS PASSAR




De meus poucos passos sei
Um pé na lama,
Outro na cama de sonhos
Onde ornamentaste
O equilíbrio em navalhas.

Beije fundo minha chaga,
Senhora-menina-quando-chora,
Com língua comprida
De faustosas plagas -

Abra as pernas para o mundo
Parindo ingratidão.
No meu osso seco e sóbrio
Mora frio um coração:

Pra que lembrar.

DESALENTO



Vou prender um verso
Como quem arranca um coração,
Sem lisonjeas,
Nu,
Na beira da estrada,
Asperando cadafalsos
Nas minhas pretensas
Botinas de poeta.
Minha goela
Margeia distraída
Todas as brincadeiras.
Eu, filho do vento?
Tenho na chuva
Uma amiga chorosa e,
Se por acaso,
Passar o tempo,
Cito Rimbaud
Aos meus botões,
Pois,
As estrelas choram rosa,
Eu,
Que não sou astro
Nem nada,
Só fico
Prosa.

REFLEXO




A areia busca o vento
Ou o vento busca a areia?
O pé é alheio...
Cauda de sereia,
Areia,
Alhures,
Pausa...
E areia e sereia e
Aguardente
Olhar.

FORJA



Desaprendendo amor
Creio estar amando,
Vendo fugas findarem
Loucas.
Desamando preces,
Creio estar crescendo,
Sorrindo passos tortos
Bêbados.

Sou curva de caminho,
Inconsequente,
Sou lembranças parcas
No gosto da aguardente.

Se tomarmos o laço
Ao pé da letra,
Você será criança
Por ter dança no caminho
E eu avô, de velho
Caminhar sozinho.

Espero beijar um neto.

Vou lembrar violões
Nas primeiras afinações.

E o gosto da chuva
Vai nascer sobrinhos
No pó das possibilidades -
Sem querer,
Novas cidades.

O barro de tantas tramas
Vai forjar invernos
Lentos
E, se acaso
O tempo atropelar carinhos,
Tão velhos,
Seremos pontos
Tontos no espaço.

Não levantamos cama
À toa -
Tínhamos, na mão,
Chances
E brindamos ao vento
Cuspindo
Na cara dos vermes,
Nascendo,
Da brisa mãe
Ao soluço
Das manhãs.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

ABRIL: SERENO QUATORZE



Queria tanto
A dor e a euforia
De um inferno
Que aprendi a ter
Numa história,
Onde roubaria,
Pra você,
O fogo da lareira
Envolvido no frio
Vestindo um cobertor de lã,
Cheirando à tarde
Nas roças de algodão:

Passamos rápido pelos poemas
Ocupados em não tropeçar.

ODE A ROSETA

















Ah, como eu queria
Que tua cidade fosse nossa,
Me reconhecer na rua dos teus pés.
Teu ir embora
Poderia não ser tanto
Tango argentino.
Não te vejo mais na minha gente
E nem falo mais língua de árvore,
Mas, algum asfalto
Com amnésia de poeira
Quase que me lembra.
A tarde ainda é minha
Assim como meu sol que ficou -
Não tenho amigos.
Meu afastar, ainda,
É você indo embora.
Teus dias de pluvi-menstruo
É saudosa maldição
Na esterilidade faminta
Dos bueiros da cópia
Da cidade do santo.
Tudo aqui tem um pouco de você,
Porém, as partes não se completam:
Sinto carência do tudo
Que é você longe;
Da sombra do porvir no fundo do meu olho
Que é você semi-esquecida,
Na incapacidade em trazer você à tona
Que sou eu tentando ver,
Na árvore raquítica de um canteiro de esquina,
Olhos tristes que são você longe;
Dos horizontes circunvizinhos
Que vagamente - no abandono
Daquele que procura
Em todos os olhares,
Signos,
Gestos e sons
Resquícios do amor ido -
Lembram você.
A constância do voltar,
No lugar da satisfação,
Faz viva e forte
Uma faca no peito.
O sangue faz-se forte e amargo
E toma, a cada dia,
O lugar das palavras
Sufocadas no engolir seco.
Na viagem, sinto pena
Dos pinheiros altos,
Encerrados na paisagem
Dos cerrados
- Outros órfãos de raiz.

"BOM COMO FUI PRA VOCÊ"



Ei rapaz fanho,
O que você está me dizendo?
Não consigo entender.
Quem é Arthur McBride?
Não sei.
Crio algum
Com o pó da estrada na garganta,
E perdido no sonho, mas,
O que você está mesmo me dizendo?
Acho que sei
Que o pó da estrada,
Mais que no ano passado,
Assenta em seu olhar,
De perfil.
Estamos indo ao mesmo lugar?
Eu já te vi antes?
Eu não entendo, mas,
Algumas coisas...
Zé Diamante?




terça-feira, 5 de julho de 2016

ÍCARO



Hoje acordei com medo da morte
E  geograficamente perto do meu amor:
Inexato deserto
Fecundado no devir.

Tua beleza morena, menina,
Desafina minha paixão de inverno
E atrofia minhas asas.

Cair é tudo e
Perto ainda é longe
No espaço-tempo do voar.

EPITÁFIO DE DOMINGO



Derrubado.
      A derrota de menino
      Que ergue ante o olhar de Deus
      A mais nova tábua:
      Quebrar círculos.
Pulso a esmo.
      O prêmio extasiado
      Dado a quem entoou em vão
      A canção do martelo:
      Eco oco.
Persistência.
      No flanco tu,
      O indesejável e indispensável
      Parceira.
Necessidade.
      A visão ainda cega
      Da beleza da rosa
      Do lixo.
Desatino
      A necessidade de bovino:
      Ruminar segundas-feiras
      E cuspir...
      Cuspir sempre.

PARA HERÁCLITO




Meta física
É meta, mas,
Metafísica
É meta tísica.

Sou Napoleão
E a Torre de Babel
Que se levantou do mar
E o fogo pôs no chão.

De novo no rio de infância
A saudade não morreu,
Aquele rio em outra instância
Menino e homem esqueceu.

REVERSO



Olho pra você
Com olhos penais
De quem, quando criança,
Achava vulgar beijo cebola.
Assim é o olhar criança tola
De quem entra na dança
Com trejeitos pardais
À sua mercê.

PSEUDO-POÉTICA II



Arte,
Artifícios,
Arte de ofício:
Ofícios da arte,
Cartão picado da arte,
Horário de almoço da arte.
Proletários da arte
Uni-vos!!!
- Eu não.
Minha arte?
Cortês? Sã? -
Cortesã,
Prostituta de tostão,
Barganhando amor rápido
Com pressa de cigarro.
Minha arte
É saco cheio da arte
Mas,
Mais que tudo,
É covardia.

ENGLISH SONNET



Give me your hand on midnight train, my friend,
And let me take her down to the paradise.
I'll see you again when the shadows rise
And you will see that it isn't the end.

We're lookin' to the fields of promise land,
Lost in the fool fears of our proper lies, 
When the past comes around and our flame dies,
I want to keep my blind faith on your hand.

It's time to break the rules of strange place,
While smilin' yellow people , they are dyin',
Please, don't let die that blue light on your face.

Let's look to the sunrise's eyes, I'm cryin'.
It's clear that we're waitin' for the human race,
But we're lonesome travelers in the king's rain.

SIMPLES SONETO



Queria fazer um poema não-seno,
Nem cosseno, nem raiz quadrada,
Um poema que não tivesse nada,
Assim feito seu olhar moreno.

Só olhar e me mata de sereno.
Eu que, na grandeza demasiada
Das suposições edificadas,
Embaraço-me de tão pequeno.

Depois de ver teus olhos outra vez
Vou jogar no lixo toda teoria,
Num ritual de alegre e boba embriaguez.

Serei então céu, ar, fogo e calmaria,
Demiurgo caído ante tua pequenez,
Segredos de papel na ventania.

SONNET'S BLUES



                                                      "Me and the devil was walkin' side by side..."   
                                                                                                      Robert Johnson
                                                                               

Quando é necessário fundir a máscara
E então, é pouco o tempo da falha,
Densa, plúmbea, viva mortalha,
Em tosca sina, selará a xícara.

Oh, doce veneno o beijo de outrora,
Pendente no fio da navalha.
Em torpe trato, de pouca valha,
Infinito fim, por fim vigora.

Curto compasso em negro azul
Cinge em branco o mostruário,
Em novo beat, o antigo blues.

A vida pulsa em mofo armário,
 Aguardando o preço que seduz.
Ressurrecto, morre o pactário.

IGNORÂNCIA
























Adormeci deitado no jardim
E tive um sonho estranho.
Acordei num sobressalto, no ar. 
E desejei
Desejei o mundo de cabeça pra baixo
Pra eu cair no azul.