sexta-feira, 29 de setembro de 2017

TRAIÇÃO



Espere facas de meus beijos
Buscando o fel da tua língua:
Não me importo com carinhos afiados,
Me compra o teu dinheiro
No caminho estropiado -

Só veneno, só veneno!
Depois descansarão
Vísceras doentes,
Dentes sujos de traição
E um sereno de senhora:

Por hora, feche teus olhos.

HOWLIN' BLACK DOG BLUES



Cão que uiva lá fora
Tanta dor jogada fora.

        Cão, minha sorte é mesquinha:
        Esta vida não é minha.

Cão que uiva, lá fora
Tanto sonho foi-se embora.

     
        Tua dor vem, aqui dentro,
        Ecoar no meu relento.

Cão que uiva lá fora,
Cala-te, ou lhe mato agora.

        Mato a noite, mato o vento
        Até me matar, a tento,

A vazão que o peito estoura
Calmaria em pensamento,

        Cão que uiva lá fora.

SOLEDADE



Como posso sorrir às tardes
O meu esquecimento,
Logo aqui em casa,
Onde tudo é pensamento?

Dobradas, no fundo de uma gaveta,
As minhas asas.

Saudades das revoadas?
Que nada!

Hoje enquanto vejo a tarde
Ainda vens me visitar
Nos receios de menina envergonhada.

CRISTIANA















Por ironia ou por acaso
Fez-se o mar
E você,
Sabendo exatamente onde dormir,
Em minha frente,
Revelou-se Cristiana
Em vez de Maria
Ou Ana.

SETEMBRO SEM CHOVER



Dói no céu
A dor de vidas
Mal dormidas.
Possivelmente,
De tão sós
As almas,
De repente
Desataram nós
Nas forcas
Pendentes nas figueiras,
Ensaiando bruxas,
Saciando fogueiras.

Placidamente,
Dói no céu,
Descarnados em galhos,
Dedos, rasgando véu.

NARCISO


















Cheiro de tabaco pesado
No tempo, andando solto -
Às vezes círculos, espirais,
Pátrias, paixões...

Cheiro de roça em fim de tarde,
Orgasmo em nervo moleque
Arquejado, na fonte,
Vendo mundo distar céu
No tormento dos pingos
Em plana superfície -
Pátrias, paixões...

Água de moringa cabocla,
Esguias curvas vendavais,
Insinuando, matreira, o beijo
Apaixonando punhais

Mãe, me quebra o espelho!
Pai, me resmungue perdão!
Quero morrer de ficar velho,
Quero chorar meu irmão.

Mas se a estrada é comprida
E o certo da vida o outro lado,
Deem-me de bebida cansada,
Quero o louco erro do mundo
E mais nada,
Quero sonhar na saída.

Gosto de cachaça no sono,
Embalando anjos passados -
Tempo curvo, grisalho, de bengala:
Dois dedos e meio de prosa...
Pátrias, paixões...

Frestas de sol e fumaça
Beijando sonhos jogados
Em franzidas testas.
O bafo do café insiste
Onde a paixão desiste -
Pra lá, Paraná,
Pra cá, sertão
Enganando os olhos...
Pátrias, paixões!

A sede da vida é camelo
E a areia do tempo fachada,
Quero beber de poeira
E gritar de garganta rasgada.

Se o espelho é mentira
E é pesado o perdão,
Mãe, quero outra coberta!
Pai, me traz o violão.

Se a saída é lorota
E a labuta destino
Quero beijar desatino
Com gosto de história rota
E soluçar menino.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

HAPPY BIRTHDAY



Bebo ao teu aniversário.
Dionísio, Baco.
- Apresento meu amigo Baco.
- De onde ele veio?
- Da terra do sem-fim.
- Será que você
Inda gosta de mim?

PERFEIÇÃO

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Perfeição,
      Grãos na terra,
      Coração
      Da noite
      Esperando
      O sexo quente
      Do chão
      Cuspir o mundo.

VAZIO



Quando não se tem
nada a ser escrito,
não é possível calar o lápis
que cospe aflito e,
em vez de pensamento,
pinta em grafite
e bonito.

RETIRO


Com tanta morte na beira da estrada,
Esquecemos o norte
À sorte do vento,
Consortes que somos
Do pó do destino,
Da areia lavada,
De sereias banguelas
Que já não cantam nada.

Com tanta morte na beira da estrada,
Corte profundo,
Em pedra magra
Rasga o mundo
Em pouca chaga -
É melhor a morte velha,
Velha conhecida
Que já não cobra passo,
Só vida.

VACILO



Jaulas,
E o coração, onde morde?
Em meio ao tinto
De olhos esparramados
Pela sala,
Vago permanecer;
Juntas destroncadas
Em vagas
Vogas,
Chega a vez:

Os ossos rangerão
Solidão -
Coisa de velho?
Pelo menos,
Coração.

Os olhos áridos
Rumarão contramão:
Coisa de medo
E quando muito
Distração?

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

LADRÃO




Roubei uma flor do talo
E a dei ao meu amor.
Meu amor sorriu depressa.
Vale ele uma flor?

SAMBA ANTIGO

















Se um dia,
Morena,
Sentires cheiros
Meus,
São ecos de
Adeus,
Ecos meus,
Na velha estrada.
Estou correndo
Na sorte,
Pela vida,
Pela morte,
Até que a sorte
Nos
Se pa  re   .

BALCÃO



Por um fio
O copo vazio
Se enche de tempestade
Na enchente da cidade.

PRESSÁGIO



Virá a primavera
Permeando,
Displicentemente,
As eras do jardim,
Numa época
Onde sangue denso
É matiz de soluço
E passeamos
Nimbos-estratos
Na seca galeria.
Virá a outra vida
Do esterco e
Feito enchente
Entonará tangentes
Insulando
Pasmos teoremas
Na voracidade
Em rasgar a carne
Acostumada,
Viciada,
Apegada
Aos calendários,
Postos no muro
Onde o olho passeia
Vitrines e fomes,
Dos jardins
De casas abismadas
Enamoradas
Em tornados.

REVOLTO

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Chova enquanto é tempo
Da menina lavar sua graça

- Água colando um biquinho
E projetando seio no ar -

Vestido molhando a vontade
Traquina, em vento e fumaça,

Desmanchar em água, em água
Gata brincando em lamber zêlo

Até rasgar-se em ser ar
De assim que a primavera

Chegar.

sábado, 9 de setembro de 2017

THE WALK



Long years fallin'
To the our state
Of desolation,
Slowly, slowly
Like rain's waters
Without sensations.

Long years is on our
Eyes of unnatural power
Sleepin', sleepin'
On the walkin'
Of other history
Passin'.

NOTURNO DA BEIRA-ESTRADA

water, branch, light, sunlight, rain, leaf

Os quero-queros, a duras penas
- Duro tom dos suplicantes? -
Embalam a lua brilhando amena,
Acordam sonho aos viajantes.

MEDÍOCRE SAMBA SEM MÚSICA



Lembrei de você
Por lembrar,
E é pena que descaso tão grande
Vele o que foi nosso.
Uma flor a mais
Te daria
Pra ganhar teu sorriso
E, de novo,
O resto do teu corpo
Acariciar meu jardim.

E por falar em fim
Tenho pena
Daquilo que vejo
Que és sem mim
E, por chorar um fim
Tenho pena
De tudo aquilo
Que pesa em mim.

ELISÂNGELA



Insisto no teu jeito
Teu:
Coração frio
No meu inverno
Vadio,
Luz na noite de breu.
Insisto no teu jeito
Teu.

Tantas argolas perfeitas,
Feitas,
Ventando teu vestido
Pincelando teu cabelo
Esboçando teu ouvido,
Tantas argolas perfeitas,
Feitas.

Você dança no passar,
Levando o ar
Pra passear;
Deixando aviso no cheiro,
Eterno quadro passageiro:
"Suspiro pode matar".
Você dança no passar,
Levando o ar.

DESENHANDO MEDIOCREMENTE



Desenhando mediocremente,
Na ponta do cigarro,
A matemática dos filhos -
Um amor moldado em vácuo,
Sombras e capins,
Castelo de cartas na borda do furacão,
Amor etéreo assanhando a carne
Em acordes alecrins.
Engolindo  em densidade etílica
A segunda-feira,
Encarnando sonho de rio
Em conter mar,
Adivinhando errado
Os meandros
Do vagar:
Fantasma barbado
Aportando maresia
Nas novas
Canções de mar.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

ATRÁS DAS PORTEIRAS, POEIRAS



Tenho tantos corações
Que perdi a conta:
Tontos corações no descompasso
Por trepidantes caminhos -

Filho de terra roxa,
Devia, desde cedo saber do amor
Roedor nefasto
Adoentando o coração
Do trouxa.

Minha mãe
Reze por mim
Aquela receita infalível
Pro filho,
Isento do vil peso metálico,
Ao ter de andar nos trilhos.

Tenho tantos corações
Que perdi a conta:
Uns doentes
Da sovinice de não poder
Se perder da estrada;
Outros,
Na saúde fátua
De chaga mal curada.

Tenho corações:
Não ligo em perder pulmões.

ENTRESSAFRA



Não escrevo mais o verso
Que poria teu peito a pensar
Em mim -
Os peitos pensam um pensamento
Duas ou três vezes
Mais pensamento que o vento!

Não escrevo mais verso e,
Ao inverso que não escrevo,
Versejo, te vejo, percebo-te
E vejo,
Percevejo.

PROMESSA



Espero o dia
Em que nos encontraremos além
De todos os zodíacos,
Economias
E laços de família;
Além de todas as prisões.

Saímos pela tangente.
Bendito seja o tempo
Cessado o espaço:
O dia em que serei
Novamente
Teu ângulo reto.

EPITÁFIO DE DOMINGO Nº 02



Explica-me toda essa tristeza
Que desce, junto à noite de domingo.
Pudera eu fazer feliz
Cada pessoa que me cerca.
Meu amor não se presta a nada.
No máximo, é sagaz
Feito os bêbados
Que vêem demais.

OS CATADORES DE PAPEL



As infinitas linhas da mão,
Noutro tom,
Buscam pássaros
Claros, no sol escuro do asfalto -
Quadro de fumaça e carvão
Apontando a primavera.

Em pouco tempo,
A desnutrida legião bravia,
Em moribundo cambalear,
Esgueirará entre fios de vômito
Exalando flores, de tanto perfume,
Fétidas.

Os olhos embaçados
Entre anos e sujeiras
Aprenderam novas cores
No preto e no branco -
Pernilongos encenando
Beija-flores
Em cinema mudo.
.
Seu Antônio fez uma casa
De embrulho e formulários
Bem perto do redemoinho.
Dentro dela, esconderá mosquitos
Até o céu permear,
Das porcelanas do segundo andar,
O seu chão.

A cabeça,
Sem cheiro nem dentes,
Em pancadas, surdamente,
Tateia a escuridão.
No pó de tanto sucesso
A mais feia cabeça
Talvez seja coração.

Seu Antônio fez uma casa
De embrulho e formulários:
Bem perto da barroca,
Uma casa de papelão!
Verá netos e peixes,
No rio de ureia,
Policiando seu jardim
E comendo seu portão.

DESTREZA



Brinco teus brincos
E afago teus vincos
Com afinco.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

CONSPIRAÇÃO



Em meio a sonhos
Já sonhados
No norte de Carolina,
Em Marraquexe,
Cortando o deserto,
Esperando o sangue de deus
E seduzindo o sol
Com olhos quase dormidos.

No meio da confusão
Neal Cassady falando gestos,
Dando início
Ao movimento dos átomos,
Mudando a cor da América,
Enquanto, no canto,
Kerouac, em silêncio,
Conversa com suas bruxas,
Na penumbra.

CANTADA



Cantas e me deixas
Absorto
Lânguida sereia deslavada.
Antes de ti, me deito,
Me finjo de morto
E lhe fisgo
Na madrugada.

CÂNDIDA



De uma casa
Cercada de promessas
A menina parte,
Traquinando um
Pular criança.
Deixa o portão aberto
E todas as margaridas,
Dálias, cravos
E rosas
Irão crescer
Assustadoramente
Frente a seus olhos,
De tal forma
Que os contornos
Fugirão de suas pupilas,
Dilatadas,
De um tentar regar
De mando antigo,
Cuidadosamente enrustido
Nas miopias feitas
De chegar.