sexta-feira, 28 de julho de 2017
HORA DE COLHER AS TEMPESTADES
Os versos estão quebrados
Na calada desta noite morna:
Poetas desesperados vêm comprar cordas,
Balancear em árvores surdas -
Cisco pendulando
Um glacial olho de lua.
Uma vela pra Deus
E uma reza ao Cão
Quando o vício não mais destruir
E quando não houver mais vícios
Pra se distrair,
Rodamoinho roda pião
Limpa o terreiro quem tem arado,
Quem não tem é empregado:
Paga a vida a prestação -
Uma vela pra Deus
Velar a poesia
E uma reza ao cão
Dançando algaravia.
O SAMBA
No balcão
Espera frestas
E de frestas
Rompe promessas -
Cavacos,
Lenhas cheirando
Incenso roto,
Tornozelos
E o apelo de criança:
Só água
Limpando
Árido compasso,
Germinando
Últimos passos,
Rumando dança.
MODÉSTIA
Falo e amo pouco;
Sou dado a pequenos amores
E já faz um tempo
Que o vento vem
Intimidando minha voz.
Certa vez disse: "Pra que falar?"
No meio de um amor.
Se era pequeno ou não
Não o digo.
Além de falar e amar pouco
Suspeito serem meus versos
Aleijados
Como se cantasse rouco.
sexta-feira, 21 de julho de 2017
GENTE QUE FAZ
As mãos que trabalham a terra são sujas.
Jamais afagarão a assepsia
Esbanjada nos sorrisos vendedores de terra,
Em horário nobre, na televisão.
Lessez faire! Lessez passez!
Que nobreza pode haver em mãos cansadas,
Escalavradas, vacilando a fadiga na noite?
- De minha é a terra guardada na unha -
Deus ajuda quem cedo madruga?
Liberdade abre as garras sobre nós!
Prestidigitação na calada da noite:
Hora de plantar e colher; juros;
Rigorosas intempéries de papel;
Safra recorde; escassa hora de comer.
Campanha da cidadania contra a fome!
O Brasil, ridente, se faz com gente
Fácil de se passar pra trás.
Gente se enterra onde não há terra -
A César o que é de César.
BLUES ADORMECIDO DO JARDIM
Noutro planeta
Rumando estações
Equinociais
Em outras eras.
No meio das flores
Abruptamente
Assusto com teu vento:
Poderia eu, Dama Cor De Canela,
Dormir no relento?
Só suspiro
Em resposta...
OBSTINAÇÃO
Jogo o jogo
Com quem sabe jogar.
Só assim, no brilho do fogo,
Vejo alto e sereno
O meu azar:
- Três dedos de veneno!
AUGUSTO DOS ANJOS
As quimeras abandonaram
A primavera
À sorte do chão
O frescor das eras
Invade o esquife:
Cansaço de ser vão -
Hediondamente
Tudo repousa em minha mente.
Inventaram um novo jeito
De fazer poesia:
Os velhos poetas
Estão cansados -
Diriam que é o mal
Da idade.
sexta-feira, 14 de julho de 2017
ARRAIAL
Os saltimbancos evanesciam,
Em cachaça e mortadela,
O pó da estrada.
As mocinhas, debruçadas nas janelas,
Provavelmente,
Sonhavam acordadas -
Não é sede, não é nada
Moreninha,
Só passei para te ver.
PÁLIDAS SOMBRAS
Pálidas sombras
Na cabeceira da cama,
Pactuando, às estacas,
A cabeça do santo
Covarde,
Sem rezas e perdão,
Acreditando em beijos
Facas e coração,
Enterrando ouro
Para penar à noite.
MINHA TERRA
Na parva poesia das ruas de chão
Nas gentes contentes
E nas luzes com cara de festa
Encontra-me renitente
Um pedaço do meu coração.
sábado, 8 de julho de 2017
INSÔNIA TEMPORÃ BLUES
Acordo atrasado para hoje.
Faço questão, acordo.
Se o sol não entender,
Que deite, e espere amanhecer.
Não sonho o sono que não concordo!
SONETO MERCANTIL
Tudo tão visto,
Tão tido,
Tão cuspido e escarrado
Que se pode acreditar
Que todo Rimbaud
Tem seu Harrar.
O poeta não vale um vintém
E que os anjos, lá no céu,
Digam amém:
Um prato de comida e o léu
Ferem o olho de alguém
Acostumado a escarcéu.
Um soneto
Vale um franco no espeto?
DEDICATÓRIA
Um desses poemas é seu.
Se quiser encontrá-lo, encontre-o,
Senão, não se acanhe:
Pode ficar com todos -
Não tenho nada de meu,
A não ser uma fome de bater pernas
Que, para o ano,
Talvez me abocanhe.
NO BRAÇO DE UM VIOLA...
Canto que me soa estranho
Como se a dor maior
Fosse um dó menor
De estanho.
Canto como se a vida
Suasse em contratempo
Sincopando em si alento
De ser vida sustenida.
VIOLA CAIPIRA
Hoje a noite eu vim de longe,
Tua alma na garganta
E o vento na sacola,
Entendendo pouco
De plantar amor sublime
Em menina de escola -
Só a alma vaga
De tanto mundo tonto -
Quebranto meu
É pra você
Quando você passa,
Sem graça,
Ah, pudera tu
Em mim te ver!
Canarinho na janela -
Passarinho assanhado -,
Tem tanto olho no mundo
E eu morrendo engaiolado
De outro ver
Teu ponteado.
sexta-feira, 7 de julho de 2017
SALTIMBANCO
Se você não mais gostar de mim
Pode ser-me um grande mal.
Depois de mascar pimenta e sal
Vou chorar pinga e alecrim.
Se você não mais gostar de mim
Vou ser louco medieval,
Vendo o mundo tão legal
E dormindo no capim.
VITROLA
Guarânias,
Rancheiras,
Huapangos
E chamamés.
O peito rompe pra trás,
Um coração esquecido
No meio de cachaças e bolores.
Um pouco vem à tona
Nos bem-quereres
De menino:
Poeiras em livros velhos;
Velhas caligrafias;
Beijos esguios -
Carinhos criança,
Rancor sincero,
Hoje avô -
Filosofia de teia de aranha
Ou compasso de um bolero.
Pode um peito reclamar
De uma outra triste dor?
Uma agulha
Fincando de chiado:
Lembrança resguardada,
Em disco riscado
Recaída.
CARTEADO
Quebro todas as portas no peito -
Sou o diabo mesmo.
Deixe pra mim todas as maldições
Da terra:
O velho truão
Irá rasgar a carne
E entrar criança na nova estação,
Esquecido das dores
Com zap e sete-copas na mão -
Nesta terra
Só se nasce o que enterra.
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