sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
TEREZA
O coração de quem vai embora,
Um verso rápido,
Um medo da mão dormir
E acordar tarde.
Seria fácil
Se soubesse os desígnios,
O preço de nosso atrasado
Esbarro.
Seria fácil
Se fosse lua de colheita,
E se, torta,
Não doesse tanto
A ceifa, mas,
Não se tendo certo
A ciência das barragens,
Temos de levantar cedo
E estarmos atentos
Aos brotos
Dessa época de flores,
De belas flores.
O coração -
Vá entender os corações! -
Sai leve pela porta
E deixa o músculo:
Os cachorros inspiram choro
Abanando os rabos e eu
Desaprendendo
Sou todo
Músculo triste.
SONETO COMO TEMA PARA PAGODE
A nega xingando o vento:
Não há ciência exata
Dos teus pelos de mulata
Que ouriçam o relento.
A nega com passos de gata,
Dengosa no escuro,
Em gesto de mãe - esconjuro! -
No claro, preguiçosa mulata.
Vai fazer bolo e carinho
E pretinhos, talvez...
Exato feijão e toicinho.
Depois do resguardo, talvez
Despertem-se do cavaquinho
Aqueles quadris 'tra vez.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2017
O EVANGELHO SEGUNDO A VERDADE (Versículo Oito)
Meu pai, José,
Minha mãe Maria
E o mundo cheio
De minha cabeça vazia.
As nuvens prometiam sonhos
Desaguados em vômitos.
TRISTE CARNE
Maria era bonita
Por uma ou duas coisas
Que não sei.
Beleza sentida de não-ver.
Diziam que Maria havia chorado muito -
Seu rosto tinha mesmo um seco.
Todo o agreste de Maria espremia o peito e,
O que primeiro parecia rude,
Depois deixava a gente menino.
Mais que pátria, Maria era infância -
Chão que a gente leva até o fim
E usa quando a vida aperta a garganta.
É... Maria deve ter chorado muito mas,
Ver-sentir-estar perto de Maria
Era árvore ancestral guardada;
Galho e vento na quase nunca combinação de volta;
Querer chorar de vontade alegre -
Um pouco do seco de Maria
Era ter pequeno um segredo de deus
E não saber muito o pra quê.
Maria tinha a chave e não sabia,
Ninguém também não.
O adestramento cínico de feto e ataúde
Agonizava no ar de pálpebras
E trejeitos boca-mão-simples estar de Maria.
Maria estava sem mais querer
E este nascia feito rugas do seu rir.
Rir Maria era o mundo com cachorros,
Brinquedos,
Medos de escuro
E coragem de morte;
Era entender o mar de praia e o de fome:
Maria era navio escondido;
O segredo do escuro do Sol no outro lado -
O lado de cá -;
O cochicho do beija-flor no vaso murcho -
Outra língua.
Um dia Maria chegou sem porque
E trouxe a chuva -
Inventamos a roça
E aprendemos a chorar -
E, sem porque
Maria foi embora:
Teve um seco de falta
E de ser grande.
Depois a chuva aprendeu Maria
E nós não:
Daí nasceu a carne.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
SONETO PERDIDO, MAS ACHADO
Mulher foste, sem dúvida, a mais bela
Na beleza vã, que é minha beleza -
Sempre dormindo e com uma franqueza
Leviana, sonhando-te, te vela.
Hoje, talvez sejas não mais aquela,
Andas desprevenida de surpresas
E, sempre, a mais sutil delicadeza
Disfarça a transparência da sequela
Desperta ao leve toque da retina
Nossa - e tua perna treme e eu sentado,
Vislumbro, mais que mulher, a menina
Assustada, correndo e, assustado,
Tremo, peno, enveneno, na surdina,
O quanto a beleza havia acordado.
POUCO, MUITO POUCO
Todo um paraíso solto no ar
E beijamos o infinito
Por pouco
E por pouco
Muito loucos.
Fugiram eras,
Quem sabe aquelas
De navalhas
E pasta de dente.
Temos um medo tosco
De carne
E serpente,
Do éter no
Eterno,
Sem vento
Simplesmente.
Seríamos pós
Do que somos,
Mais que isto,
Dementes.
PESCADOR
De nosso beijo estrangulado
A sabedoria dos avós:
O fermento exato do pão
E a maestria do formão.
Nosso amor não é de livro
Nem nossa sina estelar,
Muito menos de televisão
E, se quisermos,
O melhor da festa é esperar.
Quando o inverno passar,
Se você quiser,
Verá flores
Que nasci pra você
Do meu coração
E rirá -
Criança que és -
Da minha pretensão.
Bobos talvez...
Que seja!
Temos o mundo pra nós
Igual a moleques
E brinquedos.
O resto já sabemos
E são segredos.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2017
GILLES DELEUZE
Jogou o peso da vida
Numa cartada irrisória.
O diabo sorriu matreiro,
Mascou a bagana
E mostrou um full de ases.
Estrela bailarinas
Sibilam quintal afora.
ARTHUR RIMBAUD
Vou para o Egito no século passado
Ver a noite arrastando as almas
Para além das portas do crepúsculo.
A Esfinge olha impávida.
- Cheira a carne estragada lá fora -
Disse o chefe de expedição
Com um tratado geográfico
Pendente numa das mãos.
O trem-de-ferro passa, supersônico,
Ao tremor das persianas
Guardando, num sussurro atrasado,
As noites onde tentávamos morrer.
BOAVINDA
Hoje a vontade de beijar teu verbo,
Feixes destilando vaidades
Em borrascas de estio
Altas,
Nos verdes plasmas que
Mesmo cercados
Aspiram ao vento
E a todo azul
Possível de setembro:
Isto
De não ver nada
E rasgar estratégias
E pensar de passagem
Com o vento e
Em seguida,
Jogar fora.
Beijar a morte
E, assim,
Trair o fim
Ao primeiro dia
De outra primavera.
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