sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

SIGNO


Os penhascos do inverno,
A placidez garoando
Milenares conspirações
Aos galhos áridos -
As chagas na madrugada.
Virão, das infindáveis plagas,
Trotando um soturno cavalgar,
Os reis pagãos.
As flores curvarão
Às estrelas pretas,
Enquanto os homens dormem
Seu último digladiar,
Adornando as estacas
Rumo ao salto
Dos seus sonhos -
Um cortejo cinza
Risca o sol de sangue
No fumo esquecido
Das tochas:
As brasas frias e 
Hiperbóreos anseios.



BRINCADEIRA



Não há pedra que não
Seja flor e
Não há flor
Longe de espinho,
Depois de Rosa.

ESCRITA

















Talvez mundo fosse flor
Passada e colhida;
Dor
De criança crescida;
Estrada
De fome e abraço
Na chegada;
Talvez mundo nasça
Só de carinho,
De sobrinhos,
Netos e avós
E as carroças,
Os tapetes,
Os trens
E os aviões
Serão,
No diamanhã,
Ilusão
Na ponta do lápis
Sangrando do porvir
Vida vivida,
Chaga dormida
Apontando luz
No rude do grafite:
Os caminhos
Engatinhando as crianças.

O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE:



Se acaso deixares
Um fumante sozinho
Não voltes sem avisar -
Eles são os que menos aproveitam
Das companhias,
Pois têm amigos invisíveis
Que se vestem de fumaça.

SANTO DE CASA










Minha cidade levou longe
O amor que eu amava perto -
Não há de ser nada -
Meu amor já estava certo.





CANTIGA DE NINAR



















Dorme longe menino,
Enquanto o sonho não vem,
No fechar de olhos moleque
As estrelas se veem bem,

Se um piscar dormindo
Todo o céu assustar
E as estrelas forem embora,
Só foi o vento lá fora,

Que chora
Pra poder entrar
E ter estrelas contigo
E contigo não sonhar.






sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

THE WATCHMEN




















Depois de velar-me
Da morte-Marte
De teus alvéolos,
Um dia,
Mesmo que caia
Toda a água
De tua eterna
Ogiva,
Lá no fundo,
Os meus olhos
Serão marés
Imemoriais,
Perpassando o teu
Ventre
No vento
Dos anéis de Saturno.

PSEUDO-POÉTICA III












Crio poesia
Na bacia das almas -
Crio vadio
A mentira calma
De covarde latente -
E os cães abanam
O rabo
Enquanto a caravana
Passa.

Mentira de absinto -
Calo-me ao sentir
Que nada sinto
Sabendo razão
No que a mim
Minto?

DA SABEDORIA



Os anjos
Às vezes sabem
O que se passa
Com você;
Eu, por outro lado,
Sou a ignorância sabida
De Édipo
E de Cristo.

Se tivesse uma flor
Te dava
E se fosse diabo
Tua alma
Seria carrinho
De rolimã.

Só sou um bruxo
Velho
Que esqueceu das vassouras
Quando a casa
Ficou maior
Que não dava
Pra ver a porta.

Hoje,
Um pouco de mim
É você
E o resto,
Uns discos do Dylan:
Nunca fui bom de referência
E da última vez
Que a estrela caiu
Quis um sorriso,
Bobo,
Que sou.

Da outra vez,
Prometo
Não esquecer
Uma Maria
Enquanto outras
Duas
Voam -
Um sabiá
Na laranjeira
E a lua torta
Com vontade
De chover.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

THE WATCHMEN II



                                                                                "Nobody feels any pain
                                                                                Tonight as I stand inside the rain..."
                                                                                          
                                                                                                                        Bob Dylan

A chance de fluir junto ao fedor,
Através dos buracos nas meias
E dissolver, no suave escuro,
Desligando todos os estéreos.

Mas não! A América vela por seus filhos.
Eles precisam pastar os escarros
E os excrementos, esbaldados
Em latões enferrujados nos becos e esquinas

- A mesa posta na América!

Pagando a lerdas prestações
O preço da integridade -
Um lacaio, levando no ombro leproso
A cruz de Prometeu -, sem culpa.

Cães sarnentos, caranguejos,
Cânceres, úteros inseminados
Em navalhas cegas -
A piedade desdentada baixando guarda -

O membro voraz e ereto de Nosso Senhor.

A ferida comendo a América
Em meio ao resto de tesão
Nas pernas, abertas e nuas,
Entre lençóis sifilíticos e vivos -

Dez dólares desmembrando a vagina da América!

Todos os vermes da América
Ricocheteiam na malha branca e preta
Do abismo surreal, na ponta do nariz
E carcomem a sobra da razão -

Enquanto corvos esperam a cirrose mal-passada.

A chance de esvair-se, furtivamente,
Do sonho da América e cair
Por trompas de acrílico, grafites e dejetos
Antes, bem antes dos tempos -

Fetos saudáveis flamejando o asfalto da América!

VITÓRIA-RÉGIA



Numa sombra de verso
Escrito em brando giz
O brilho de olho
A quem lê.

O medo do sol;
Há algum tempo
O comedor de sombras;
A fuga de sonhos
Claros -

Superfícies de lagos
Esquecidos do tempo:
De algum lugar
Florestas moças
Dormem,
Em sono quente,

O

Mesmo

Encontro.

PENDÊNCIA



Deixo para amanhã
Minha mais nobre poesia.
Hoje, a vida foi visitar um amigo
E, talvez volte no raiar do dia.

Venha em riso de sobrinho,
Em carinho-saudade namorada.
A sabedoria tonta da beleza
É pedra escondida noutra cor,

Se for achada -
Poesia de desejo
Em cadente madrugada
Dos roubados beijos.

NÁUFRAGO

Parto
De coração
Enquanto o inverno
Chega perto.

                               Penso
                               Se existe passo
                               No abraço
                               Do teu ritmo de aço.

Desabraço
Forjando tardes
Num compasso
Teu irmão.

Mesmo em todas
As facas do vento,
Um dia,
Uma história
Será alento
À carne exposta,

                               Esperando fel
                               Como resposta.

Um dia
A água será troféu
Em fios rubi
Às bordas 
Das calmarias.

sábado, 10 de dezembro de 2016

O EVANGELHO SEGUNDO A VERDADE (Versículo Quatro)

     

       








         - Tenho um relógio e ele não me deixa esquecer a vida, sorvida nos balcões, nos corações de todo o mundo entornado em copos e garrafas. A filosofia que não sei me acorda cedo, no medo do ladrão, na contramão da rua única à minha casa. Atrás do portão há uma grama onde trabalham formigas e eu nunca presto atenção...

Eis que então
A luz fez-se clarão,
Clarão bonito mesmo!
Mas clarão, só por clarão,
Não matou a satisfação
Que já havia, antes da estrelaria
Romper em torresmo,
Um arroto aguardente
De tão clarividente.

TINTA NO ESPELHO


Esta pretensão de escrever,
Tentar sujar papel com prosa,
Mostra alguma coisa
Torta no céu,
Cai em mim
Não no papel.

Este tentar pintar conversa
É lembrar brilho de olho -
Sem segredo
E, às vezes,
Topada de rua;

Pique-esconde de lápis,
Borboletas de amarelas
Redes belas,
Mísseis de Bagdá
E luas novas:
Quem viver verá.

Mas
Por mais que se derrame
O vaso sente uma sede!
Papel higiênico - língua de parede -,
Hoje a Cuca vem pegar.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

TOADA




          Depois de inventar um novo grito,
          Deixarei minhas rédeas ao vento
          Para ouvir teus pés de granito
          Andando brumas ternas, no momento,

Tanto tempo sangrando vinho
E morrendo gargantas aos espinhos;
Levando sonhos de escadas nos cabelos,
Deixando aos pinhos o apelo.

          Pernas tristes, da sacada,
          Choram a metade da colina.
          Pra lá, lembrando seios de menina,   
          Sombras de cumes apontam estrada.

Num mundo velho sem porteiras
Beijos de orvalho e poeira
Violentam a chegada.

    

DESCASO




Joguei meus amores ao vento
Em versos displicentes.
Em vão, agora espero
Que eles batam em toda gente.

Devolva meus livros.

Aprendi na estrada madrasta,
Só, a saber de mim
Beijando cheiro de capim
Uma dor é o quanto basta.

DESPEITO



A moça entregou a sorte
Às mãos que barganharam
A alma com o diabo -
Nas mãos logo de quem!

Depois ficou, feito colibri
Tentando entreter a carne
Aqui, acolá.
Mas, de repente,
As mãos
- Haveria uma feição
Nas mãos?
Coisa do capeta:
Feição assim que se desfaz!
Voar atrás,
Como?! Se a moça via visgo
Por tudo quanto era mãos.

Não naquelas onde voava sua sorte.

sábado, 3 de dezembro de 2016

TANTO TEMPO NA TERRA


Tanto tempo na Terra
Que o velho se fez criança
E secaram-se os caminhos,
Então, Deus se desesperou
Do altivo de sua lei
E o paraíso sucumbiu-se
Por ser alto.



BEATNIK



Uma espontaneidade beat
Bate de frente,
No revoar das borboletas,
No efêmero surto das
Súbitas felicidades,
Quando todas as pontes 
Do mundo encerram-se
E abre-se a mais nova,
Conhecida,
No caminho de casa;
É certo que pedra não tem asa,
Mas não ligo.

BOCA DA NOITE



Cai na noite
Tão cansada
Como se fosse dia
Chegando da noitada.

Raia o dia
Tão brilhante
Como se fosse noite
Adornada de diamante.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

FACEIRA


Meu chapéu de caboclo
Tem raio de sol assustado
Em saber teus olhos grandes
De um jeito malcriado.

E o susto é coisa rara.
Não há reza que dê jeito
A um céu engaiolando
Passarinhos tão perfeitos.

Três brasas no copo d'água
E só uma foi ao fundo.
Hoje o céu tem mais estrelas,
Hoje sou mais vagabundo.

Mas vagabundo conformado
Em sonhar, num voo, à noite,
Esses teus olhos, ao vento
Tendo um corpo bem pelado,

Que, de dia de pirraça,
Baila distante bailado
Amargando meu pecado
Que nem gole de cachaça.







TELHADO DE REZA CINZA



Uma flor passeia
No meio da rua:

O asfalto pinta chuva
De sol pálido,
Rústico,
Encortinando
Sonhos
Nas vidraças oblíquas
À exata tempestade.

O nome disso é saudade;
A vida disso é maldade;
Os dentes enluam cidades;
Menina, é só amizade?

Uma flor passeia
No meio da vida alheia
Sem dó,
Nem vontade de ir
Pra casa:

No meio dos umbigos
De espinho
A rosa cospe asa
Com cuidado de 
Passarinho...



A AURA



No meio da escada,
Paro,
E escuto
Um longínquo amor
Perpassando
Suave, os degraus
E me encontrando
Dois lances adiante,
Ao revoar das folhas
Dos livros antigos.