sábado, 24 de setembro de 2016

VAGABUNDO



Vida, ah, a vida!
Às vezes vã,
Às vezes grande e,
De tanto, escapa
Ao sonho meu
Igual a uma perninha de rã
Passeando frente aos meus olhos
Antes de, nua,
Como os cachorros de Lázaro
Você lamber-me
As mazelas da rua.

FORRÓ



É engraçado como, só agora, percebo
O sentido anti-horário nos casais
Levados pelo insistente xote.

Sangue, suor e cervejas!

A fumaça dos cigarros
Comunga os acordes do acordeon
À cerração da madrugada:
Vésperas de inverno -
O frio inda será compadre
No presentear vassalos da velha noite
Com o sereno azul do céu
Na face dos rios?

Gim: dois reais e cinquenta centavos;
Vodka: dois reais e cinquenta centavos;
Whisky: cinco reais;
Conhaque: um real e setenta centavos.

Aqui não vendem cachaça!

Um casal se mistura na soturna
Vista do sisudo senhor.
O vendedor de flores chega até ele -
Breve será dia dos namorados:
- Apenas três reais!

Não. Aqui não tem amor nenhum.

Os aposentados recebem cento e doze reais ao mês
E o vigia noturno apita.

DISTÂNCIA


Longe o mundo
Levantando a fome
E as estrelas embelezando
O salão, 
Cortejando a festa.



OLHOS DESVENDADOS



Queime minhas cartas.
Evapore lágrimas escondidas
Na pena de um rei.

Já estou doente
Desde aquele inverno -
Lembras do fogo em meus cabelos,
Em chamas que tentei roubar
Das lenhas do bosque?

Fico sentado na orla
Escarpada -
Dama de espadas
No coração prateado,
Frigidamente encantado,
Em lunares aragens.

Um imenso poço
Margeia toda a existência -

Atire pérolas aos porcos,
Com cuidado,
Todos estarão olhando louros
Em sua fronte
Por sobre o balcão.

Queime tudo que puder
Ser letra minha -
Assim meu sangue
Beija estrelas -

Um dia o céu,
Quem sabe,
Possa chovê-las.

PROMETEU DESALENTADO


Hoje pensei escrever estrelas
Tendo em mente o fogo que apaga,
Para que sempre possam lê-las.
Descobri-me, da janela, numa chaga:
Melhor vê-las.

Da terra, podem os marujos criar um mar
De ofício ocular à maresia,
Eu, não marujo salutar,
Arrisco choro à estrelaria
Antes de deitar.



sexta-feira, 23 de setembro de 2016

SEDE





Ser-me-ia útil
A morte inconsequente
Dos amantes que têm fé.

Mas tenho, em brasa,
No meio da chuva,
Um poema entalado na garganta.

BNH



Um monte de casas
Brigando um atrito desleal -
A hélice titânico-avara,
Nas rodas do tempo
Saciando a fome.

Ah, esses casebres enganados
Comprando a preço errado
A lição escrita na cabeça,
Milenar,
Do monstro de papel
Lacaio dos homens:

- Há uma dignidade,
Lá fora,
Tapando os ouvidos
Ao tinir das moedas -
Gentes teimam
Entrar nas casas

Só entendendo dança
Da devassa.

ACALENTO



O menestrel sozinho na varanda
De um horizonte,
Cercado de tecidos medievais,
Respondendo a tantas e tantas miras -
Os falcões planando trigais.
Quase imperceptível, em tom amiúde,
Desenha-se o som de uma lira,
Sem chances de sonhar alaúdes.

DOR DE COTOVELO



Então
A garota quer
Segurar o mundo
De dentro de casa
Com quintal
E mexericos de vizinhas!

A felicidade
Bate à sua porta,
Então,
Atente-se ao receio
De companhias tortas.

Como?!
O mundo não é cor-de-rosa
Para abraçá-lo?
Foi você quem o bebeu
De menos.

Por fim,
Virá a satisfação
Em cuidar
De outras vidas.

ESTILHAÇOS




Quirera
É milho quebrado.
Quimera
É ah, quem me dera
Fosse meu outono
Tua primavera,

Mas tenho sono
E sonho acordado.

NAVALHAS LÍNGUAS




Navalhas línguas,
Quiçá,
Desdem Saturno
Fosse Cristo.
O salto no eterno
Da efemeridade
Das flores,
Essência queimada,
Incenso broto
Do murcho
Trepidante
Das primeiras pernas.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

JÁ NÃO MORRO MAIS




Já não morro mais
E, no entanto,
Fazem dias tão lindos.
Sentado no topo do meu mundo,
Tantas águas passaram
E tenho olhos secos,
Hoje,
Numa época
Em que chove tanto.
Já não morro mais
E, no entanto,
Não passeio mais
Sem guarda-chuva.

1º DE MAIO




Diz o rádio que foi em 1887:
Um trabalhador morto durante uma manifestação
Na América do Norte.
Diga, também, sr. Rádio, sobre os
Desvalidos,
Os mutilados,
Os esgotados que,
Incógnitos, não puderam lavar as mãos
No bálsamo da posteridade -
Os mártires de todo dia.

O LOBO





Oscilo
Entre o beijo vulgar
E a mais nobre paixão,
No sono desesperado
De quem sabe
O fim
De um olho de lua -
Dormindo em pé
De olhos abertos,
Velando tédio
Com ternura,
Até que o fio de música
Escape feito remédio
Dos desertos
E seja só
O amor que sou -:
O grunhido elétrico,
Cósmico,
De infindáveis conjunções,
De tão alto,
Passa longe
E sereno.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

SURFISTA DE PRATA



Vem-me à mente
Um perdido cosmos
Onipotente,
Lá onde mora,
Quieto,
O piscar dos vãos
E deus não é fim,
Nem máscara,
Só coração.

CORADO



Pensei-me 
Contando a você
Um segredo
Meu.
Quando vi-me,
Sem segredo,
À sua frente
Envergonhei-me
Em saber o
Quanto
Você já o sabia.

As rosas repetem a mesma
Cor noutra primavera.

CORUJA



Os olhos contam tudo
E não escolhem hora.
Provavelmente agora
Esqueçam quanto foram nudos.

A menina desenha,
No espaço, um balé
Esquecendo, lá na frente,
Um olhar de marcha-a-ré:

Insensatez profunda
Fundamente prometida
Em trazer, pra toda a vida,
Um olhar que fosse bunda.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

TEDDY


Sua falta está em todo lugar
Onde você costumava estar.
Como pode 
Pequenos rastros na parede
Pisarem tão fundo?

Uma tristeza maior que o mundo.

Batendo fundo,
Um coração pequeno
Querendo desatar
O nó na garganta.

Não adianta mais esperar -

Você não sai daqui 
E não vai mais voltar.

                                                  

sábado, 3 de setembro de 2016

RABELAIS



O necrófilo bate à porta
Horizontal, com um verme
Na garganta
E despoja-se do mundo,
Encontrando-se no ventre,
Carcomido,
Nu e masturbando-se
De riso
Até gerar filhos
Pela força.

Todos sentem o mal da vergonha
Menos o cachorro e o poste
Numa dança de chuva
E orquídeas.

PARADOXALMENTE BLUES


Façam o que quiser
De mim.
Já sou porta,
Aberta,
Chaga de não ter fim.

Minha dor?!

A quem importa
Choramingos de amor
Quando roncos de barriga
Trovejam ao redor
Da frase morta?

Morro da fome
Em matar a fome
Nas almas analfabetas
De sangue e sabor. 

CHULÉ

















O romper da corrente,
O desespero maior
Que o mundo -

Viver a vida
Como se tudo
Coubesse
Num pedaço
De domingo -

E do sentimento
Não guardar
Ressentimento
Algum -

Se não for pra ser
Do meu jeito,
Que seja
De jeito nenhum.

LAMPIÃO



Lampião
Fugiu de casa
Pro sertão,
Ver a vida
Na caatinga:
O sonho pesado,
No mormaço,
Finda
Em peso de aço,
O pulmão -
Um claro
Em Angicos:
Deus rasgando
Da carne
Os facões,
Os cinturões,
E o menino
Correndo
A inocência
De volta ao ninho,
Entendendo pouco,
Muito pouco,
Rindo bêbado
E devagarzinho.