sábado, 11 de novembro de 2017

COSMOGONIA



Minha vida era meio parecida ao vento
Que sai por aí, à noite, atravessando os quintais
E, nessa minha vida parecida ao vento,
Eu adorava deter-me nas calcinhas
E nos sutiãs, dependurados nos varais
E ficar cheirando, cheirando
Com meu cheiro uivante de vento
O sonho que as pessoas dormem.

Um dia, porém, os larápios
Principiaram a levar as roupas
Postas pra secar e, de minha sina de vento
Costurada a arame farpado -
Os ventos cozem suas sinas desrespeitando cercas -,
Por meu lado, principiei solitário
A dançar uma melancólica valsa.

Antes não havia melancolia
E as pessoas costumavam dividir as emoções
Em tristeza e alegria.
Melancolia é tristeza enxuta de lágrimas
No lenço que a menina,
Pra matar o tempo, enquanto não pegava no sono,
No vento pôs pra secar.

Vento, de tanto ventar,
É velho louco varrido
Ranzinza, teimoso e tarado
E lenço não paga a pena roubar.

                                                                                                     23/12/97

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