sexta-feira, 24 de novembro de 2017
DIALÉTICA
A extrema razão do que penso
Não está no senso
- Esse perdi faz tempo! -
Mas no desatino
Em ver tão velho o mundo
Refletindo brilho
Em olho de menino.
COLÍRIO
Teus olhos da cor
Da água de mina;
Teus olhos, menina,
São a dor
Dos meus dias vadios.
Meus olhos sombrios
Vivem dos teus
Não terem visto, sequer,
A cor dos meus
Nalgum olho qualquer.
sábado, 18 de novembro de 2017
PARÁBOLA
As antenas parabólicas
Aparentam guarda-chuvas
Atropelados pelo vento
E, atropeladas por notícias,
As pessoas vão sendo
Aquilo que elas acham
Que as pessoas gostariam
Que elas fossem.
MINHA MENINA
Minha menina tem olhos fechados
E sonha comigo.
- Mas eu não mereço tanto!
Não a conheço e estou acordado:
Vigio o encanto
Comendo cacos de vidro.
AMNÉSIA
Teu rosto é um esboço
De grafite mal acabado
E eu, nesse crepúsculo
Que hoje cismou entonar
Variantes de abóbora,
Sinto-me roubado.
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
RODAMOINHO
Nem todos os poemas do mundo
Podem dar conta do meu recado
Que vem num vento,
Despetalando a rosa-dos-ventos,
Um vento desnorteado,
Varrendo os passados -
Um poema sem fundo.
26/01/98
ORÁCULO
Tua sinceridade me ofende
Assim perfeita,
Feito uma esfera;
Tuas pernas são um livro aberto,
Um romance sem meio
Nem fim;
Tua fenda me desvenda,
Embebida em orvalho, a alma
Cheirando a capim.
19/01/98
ROTINA
Quando o inverno vier
Minhas mãos se aquecerão
Entre tuas coxas -
Tuas enormes coxas brancas -
E cochilarei entre teus seios
Ouvindo o lúgubre clarim do vento
Anunciando o cair da noite -
Teus enormes seios brancos.
Tu que tens lírio no nome
E não és bela nem feia
Trazes, encalacrado no corpo,
O natural odor das camponesas -
Imemoriais camponesas habitam
Teu enorme corpo branco -,
Sufocando meu desespero
Em sentir o desembestado rolar do mundo.
Teimosamente tentarei o chão
No quente lodaçal do teus charco
E farei cara feia,
Olhos de atravessar parede
Disfarçando de ti o moleque
Embarreado até os cabelos
E, entendendo a brincadeira,
Você se fará de tonta.
Na hora do almoço
Falaremos bestialidades,
De tanto, frágeis e, então,
Perceberei a surrada camisa de flanela
E o cabelo preso em rabo de cavalo -
Mais precisamente, o rabo duma égua,
Encorpada égua num cio eterno
E, com violência, te abraçarei por trás,
Tomado de um nostálgico dó.
Ingenuamente malogrado
Lhe darei o meu melhor.
O resto fica à sorte das longas noites invernais
Coalhadas de fantasmas.
Com meu suor, regarei a frieza da terra e,
Sem alternativa, você parirá,
Na dor dos meus dias, seu amor maior.
05/01/98
sábado, 11 de novembro de 2017
ASSOMBRAÇÃO
À luz de velas as sombras
Dançam na parede.
Muitos dos fantasmas morreram
Com a chegada da luz elétrica.
31/12/97
SOLSTÍCIO
Mesmo que o céu,
Com suas afiadas garras azuis,
Ao meio-dia,
Estrangule meu pensamento,
Rasgarei meu peito a unha
E, de mim, me jogarei no vento.
Diabos me carreguem
A alma leve feito pluma!
Ao meio-dia
Há pouca sombra pra ciência
E se é mesmo pra escrever,
Só escrevo inconsequência.
25/12/97
COSMOGONIA
Minha vida era meio parecida ao vento
Que sai por aí, à noite, atravessando os quintais
E, nessa minha vida parecida ao vento,
Eu adorava deter-me nas calcinhas
E nos sutiãs, dependurados nos varais
E ficar cheirando, cheirando
Com meu cheiro uivante de vento
O sonho que as pessoas dormem.
Um dia, porém, os larápios
Principiaram a levar as roupas
Postas pra secar e, de minha sina de vento
Costurada a arame farpado -
Os ventos cozem suas sinas desrespeitando cercas -,
Por meu lado, principiei solitário
A dançar uma melancólica valsa.
Antes não havia melancolia
E as pessoas costumavam dividir as emoções
Em tristeza e alegria.
Melancolia é tristeza enxuta de lágrimas
No lenço que a menina,
Pra matar o tempo, enquanto não pegava no sono,
No vento pôs pra secar.
Vento, de tanto ventar,
É velho louco varrido
Ranzinza, teimoso e tarado
E lenço não paga a pena roubar.
23/12/97
HUMILDE TRAVESSURA
Não há nada mais belo
Que um beijo roubado,
Ainda mais se for
Da mais bela menina.
Dinheiro gosta de quem
Gosta dele
E minha alma é pequenina -
Só rouba da vida a beleza
Que não cabe nas palavras.
16/12/97
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
MOIRA
Poeta?!
Nunca fui.
Um pouco triste
Sim.
Sozinho
Muito,
Mas poeta?!
Nunca fui não!
Paixão só tenho uma
E mais nada
Mas, pra compensar,
Minha viola desafinada,
A lua e todas as estrelas
Quando puderem
Agora poeta...
Arrenego!
Sempre pensei poeta
Brincando coisas belas
Eu brinco as feias,
Mas singelas.
Aos poetas a beleza.
Eu fico com o gosto que gosto
Da minha tristeza.
Poeta?!
Nunca fui.
A poesia me dilui.
ASTRONOMIA
Vou dar-lhe o anel
De um novo amor
E adivinhar teu olho
Doente da minha dor,
Assim,
Fico triste no sem vento,
Talvez, terra de Deus,
Brilhando morte atrasada -
Olhos teus -,
Na estrela
De antes de eu nascer.
BONANZA
Quando nossas almas se cruzam,
Aparentemente, não nos conhecemos -
As aparências enganam
E não é pre menos:
Paixão forte não se amansa
E não aceita remédio;
Em último caso, vira ódio
Mas, jamais amor que cansa.
MOÇA DE LIMEIRA
Teria de ser assim:
Primeiro você entraria na sala,
Depois seria um perder chão -
Pés e mãos adormecidos,
Parecendo que a gente saiu,
Num passeio, por aí,
E nem lembrou de nos levar:
Só poderia mesmo ser assim:
O sol chagaria, como sempre chega,
Atrasado na manhã
E se deixaria colorir
Na beleza do cheiro
De uma flor de laranjeira.
MOVIMENTO
Queria amar-te com o amor
Desinteressado das amizades;
Com um amor que tivesse, mesmo junto,
Uma cor eterna de saudade;
Com um amor que fizesse, acossado
E defunto, esse amor com gosto de morte.
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
ROTINA
TRAPAÇA
Você escondeu
As chaves da madrugada
No sutiã.
Agora pisca fácil,
Comadre de todas as estrelas.
Presas, num raiar de dia
Invernal,
As mãos afagam o hálito
Do fogão de lenha.
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