sábado, 26 de novembro de 2016

ILUMINAÇÃO


Dia após dia
Sabendo querer das coisas
O que as coisas podem
E exatamente
O que podem
É o caminho -
Para frente
Ou para trás:
O que vai ser
Será sempre
Porque sempre
Esteve lá,
Tão claro
Que a gente
Tem pudor em pegar
E esquecendo
Vai sendo,
Sendo, 
Rendo-me
A reconhecer
Minha fuga
E beijar-te
O cheiro de ontem
E encontrar-me
Fumaça
Em nossos pedaços
Esquecidos nos cantos:
Nos campos esqueço-te
E rio desconcertadamente
Da mentira
Esquecendo-se
Crescendo-se
Escrevendo-se
E se ninando
Pra sonhar-se
Verdade.

QUER SABER QUAL É MINHA ESTRADA?



Quer saber qual é minha estrada?
É a mesma que andas
De teu lado.
Por que procurar em mim
Pontos finais,
Ver minhas vísceras de novo?
Meu fígado e meu pulmão?
Meu coração não te interessa
Paixão fingida?
Feche teus olhos
No caminho do arco-íris
Que esqueci faz tempo.
Nuvens e chuva
Não era mesmo
O desejo feito
De salas enxutas
E ar condicionado,
Não é?
E você ainda quer saber
Qual é minha estrada...

DAMA & CELLO




















Só assim,
Os olhos hão de entender
A música entre tuas pernas:

Grave nota
Encaracolando as bordas do abismo
Emoldurado em anqueada semifusa -

Molhada languidez
Arqueando gravemente o umbigo
Quando só sobra poesia
E alma fria,

Bebendo acalanto eterno,
No canto,
De castigo.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

POESIA NA GAIOLA




Poesia na gaiola,
Canarinho no sertão;
Os dedos na viola
E a estrada no coração.

Vou-me embora pra Pasárgada,
Lá sou amigo do rei
E conheço Manuel Bandeira.

AION



Minha vida
É uma poesia esquecida,
Vida vadia
Acalentando-se
Em haver.

Guarde estas flores
Da madrugada
Aos sonhos
Do teu passado.

À entrada do matagal
Paramos -
Receio de anseios
Tão distantes
Misturando-se ao verde.

BACK HOME


O por do sol na beira da estrada:
Em pouco tempo,
A noite vestirá o caminho
Em milhões de sonhos,
No aconchego
De estrelados cobertores,
Velando a fresquidão
No cheiro de chão
Das lendas surdas,
Gemidas entre cerrados,
Enciumando sono 
Nosso.

sábado, 19 de novembro de 2016

MENINAS



A flor mais bonita
Fugiu do coração
Sangrando orvalho
Na alvorada.

Sentiu estrada
Sem agasalho
No grave violão
A flor mais bonita.

O sol de quebradas folhas
Torce o hálito
Emprumando sutis tragédias,
Entornando Amélias,
Embrumando Franciscas,
Prometendo Fernandas,
Elianes,
Cirandas,
Anas,
Anos,
Facas,
Rugas,
Fugas,
E as inconsequências
Dos cansados pigarros,
Nos peitos pisoteados
Por encantados
Carnavais.

CANTIGA DAS LAVADEIRAS NO RIO



Esfrega o ardor da labuta
Que o rio carrega,
Esfrega.

Esfrega o sossego que a noite
Sorrindo lhe entrega,
Esfrega.

Esfrega 
O carvão da mão do teu homem,
Esfrega,
O que é do homem
O bicho não come,
Esfrega
Que o rio carrega.

Esfrega
A espuma no leito
Que o rio sabe ninar.
Esfrega 
A nuvem no olho
Pro filho não mais chorar.
Esfrega 
Que o rio carrega.

Esfrega o lençol
Que o sol não tarda deitar
E o rio carrega.

Esfrega o arrebol
Que a vida não tarda chamar
E o rio carrega.

COCAINE BLUES



Tristeza batendo,
Batendo
Na porta.
A razão
De minha alma
Morta.
Só tristeza
Batendo,
Batendo,
Batendo
Na porta
E,
Lá fora
A vida
É que me entorta.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

BILHETE



De certo,
O que ficou
Foi uma tarde de domingo
E, junto com um sol pálido,
Possibilidades de suspiros,
De beijos,
De novas saudades
Em dias de chuva;
Possibilidades
De termos mãos desgovernadas
De nossas cabeças vilãs.
Temos um coração?
Não sei.

Mas ficou também
Uma música que não dancei contigo -
Você certamente
Fecharia os olhos
Num semi-sorriso
De minhas bobeiras -
E, também,
O passarinho
Que não veremos
Da mesma janela.

De que serve as horas
De apelidos bobos
Quando a seriedade cerca?
Cada um na sua - como pode?

E ainda,
Ficam fotografias não dadas,
Esses versos rotos -
Amor quase-perfeito -: coisas de fundo de gaveta.

Nossa menina
Fica para a próxima,
Quando eu acreditar
Que sorrisos usam dentadura
E cuspir com mais cuidado.

DÍSTICO BUROCRÁTICO



Minha alma tem endereço certo
Embora encante-se a céu aberto.

PALHAÇO NA CORDA BAMBA EM DIA DE CHUVA E SABÃO














A fome das linhas possíveis
Em todas as rugas
Das folhas secas
No final do inverno:
Beijo de tropeço
Com fome de chão.

Canários libertos
Na música em voo,
Acarinhando em penas
Sonho-avião.

Em nova estação,
Palhaço na corda bamba
Em dia de chuva
E sabão.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

FELICIDADE



Felicidade
Não se traz em balde
De se buscar na fonte?

Felicidade
Às vezes é vaidade
De se ver tão longe?

Cansado de estrada?
Querendo água parada?
Exigindo meu perdão?

Levando noite surrada?
Grande e de costas marcadas?
Pequeno de coração?

"UM LUGAR NO MUNDO"



Seus sapatos perdidos no caminho,
Enquanto a lama e a poeira,
Nos meus olhos, tremem um novo gosto.
As pedras têm a loucura desvairada
De todas as cabeças pardas, 
No meio de uma chuva de inverno.
Talvez, quando a madrugada apontar manhã, 
Um beijo de menina abra fendas,
Então, eu e um cachorro comecemos
A brincar um jogo, mais dele que meu -

Talvez, tenhamos sorte
Em uma grande paixão
À toa, na nossa preguiça -:
Um arco estirado
Num opaco mar.

AMAZONA



Cheira ao vento anteontem
O odor das espigas dos trigais,
Libertos de negras tranças.

Criança não se repreenderia
Vislumbrando uma possível tempestade
Circulando-indo-e-vindo,
Chuva dançarina mijada
Da nuvem preta
E descendo, riso de menina,
Num escorregador,
Pelo dorso, até as ancas -

Lá embaixo, só um chumaço
Induzirá um furacão
Convidando folhas
À ciranda nas nuvens.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

NOCTÂMBULO



Torto,
Na noite,
Dispo-me das penas
E dos meus papéis e
Caminho nu
Entre nossos verbos
Conjulgados,
Envergonhado
Por pensar palavras,
Esqueço
E fecho a porta
Pra nascer teu quarto -
Vou andar por um
Planeta
Sem cama
E Deus sem coração
Não vomitará estrelas.
Agora
São tuas
Estas mal traçadas
Linhas
Que nunca
Foram minhas.

DESMAZELO



Demente,
Ditando à chuva
O meu legado,
O rosto cansado,
As brigas com o tempo.
A imutabilidade
De tuas pernas;
Teus mais secretos pelos -
Teus zelos.
No breve filme
Em teu último juízo,
Um avô meio moleque,
Surrado,
De poeira nos óculos,
Torto no bêbado
De tantas tramas,
Suscita
Um teu derradeiro
Cuidado.

PAIXÃO DE PESCADOR



Paixão de pescador é assim mesmo,
Não avisa de que lado vem
E pode roubar a isca,
Mas é paixão.
É assim feito paixão de morcego -
Amor cego.
Pode sair no meio da noite,
Mas fica música no rastro,
Agora,
Pior mesmo
É matar a música.

Paixão de pescador
É entardecer na enseada,
Onde a música das marés
Desnuda a morte
Ao toque sutil do sol
Nas bundas das ondas.