sexta-feira, 26 de agosto de 2016

TRUCO



Cravos pintados na parede,
Nos quadros,
As irmandades
Das sombras tortas
E os meus beijos,
Acelerando milhões
De centopeias
Sobre tantos olhos
De um infindável desfiladeiro.

Caindo e levantando,
O mundo nas botas,
Cartas,
Coringas
E o ladrão cheirando
A casaco antigo,
Sabendo
Onde ficou esquecido
Um verdadeiro ouro.

A liga das terras roxas,
Malas,
Carabinas,
Zarabatanas
Enfartando tocaias atrasadas,
Cientes nos olhos de mau
Das figueiras.

Rudez e máscara de chumbo
Coagulando
Poeira -
Curvas, curvas, curvas...
Porteira
E os relógios
Ainda funcionando,
Lembrando a sala.

ARIANE



Verei uma estranha madrugada
Em andrajos enfestados
Aos olhos desalmados,
Dilatados de entranhas.

Verei uma estranha madrugada
Cansada de ser nova,
Esperando onde se mova
Tudo o que já foi estrada.

Verei uma estranha madrugada
Nos andrajos, induzindo
Um ócio reluzindo
Em vista súbita, esperada.

TOADA VAGABUNDA



Toco o violão
Como se tirasse
Leite das pedras
Para lavar teus olhos,
Beat redomão de locomotiva,
À deriva, morro abaixo,
Morro bastante minha vida
E me encaixo
No bolso vazio
Onde ecoam moedas
Falsas, falsas risadas
De um mundo amarelo -
Moças envaidecidas
Em andrajos paraguaios
Querem casar,
Ter filhos
E pratos para lavar.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

RUA DO CARVÃO




Deus, por favor, não dê contas
Da sujeira que fizeste
Lá na Rua do Carvão
Tanta gente que trabalha
Pra comprar desnutrição
E cantar em rima pobre,
Dessas que terminam em ão.

PALHAÇO NA CORDA BAMBA EM DIA DE CHUVA E SABÃO



Agora que o trem passou
E a estrada outra vez,
Ninguém mais vai fazer
O que você me fez...

                 Tenho uma arma
                 De carne estragada,
                 Aprendi-a dos livros
                 E da beira da estrada...

Seu olho é forte
E meus nervos nada estáveis:
Desastre de avião.

TEMA PARA BOLERO



Um dia
Disse teu meu coração,
Você não compreendeu...
Decerto o devolveu!
Não queria nada na mão!

Um dia,
Meu peito doeu.
Louco arranquei meu coração
Pra ver de perto o amor que me doía.

Louco, meu amor apodrecia.

sábado, 13 de agosto de 2016

O EVANGELHO SEGUNDO A VERDADE (Versículo Cinco)



Tantas chances
Quantas tiver
Vou revirar a cabeça
Do mundo sobre a minha.

É certo que o peito é brasa
E a alma rasa
Inflama

O jeito de quem ama.

Quantas chances tiver
Os pescadores de alma,
Abanando as mãos,
Voltam pra casa --
Você, no sonho,
Viajava léguas
Buscando-me a perfeição:

Um dia,
Parei pra chorar
E todos os vasos
De meu jardim
Floriam saudades:

Meu peito, então,
Subiu à cabeça,
Deixando lá embaixo
O coração,
Povoado de peixes
Dançando livres
As correntes do rio --

Ah, como tentei segurar teus riso!

ITINERANTE



Cheiro de diesel e beijo
No fundo do peito.

          Ao longe um menino
          Correndo, sonhando uma pipa.

Talvez estrada seja mesmo castigo,

          Ou somente vício.

"HISTORINHA"


Um poeta, um dia, 
Encontrou a lua na beira da 
Estrada --
Chorou sem saber porque
E depois parou -- e
Seguiu seu caminho,
Ao contrário
Do lado em que a lua entrou.
Sentiu ser poeta,
Se não pequeno,
Longe.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

INQUIETUDE


Já sou tudo isso
Jogado fora.
Tudo isso que agora
Me dói
O sangue de outrora.

Caminha-me, em vias
Descongestionadas
Alcateias desencontradas
Que roem
A leseira lancinada.

ROSETA, 12:35





Um poema cantava a poeira
Vermelha vergonha:

Os pés da menina
Pareciam anjos esquecidos

De um perdido carnaval.

Não se preocupe, morena,
A cidade é pequena:

Dá pra ver o mundo,
Por cima do canavial,

Profundo.


CHUVA EM MARÇO




Chove lá fora
E de que serve a chuva
Senão
À secura do meu coração?

Nos idos anos em que tinha paciência
Engenharia um barquinho de papel
Na enxurrada -
Ah, corajosa e livre ciência!

Hoje a chuva encharca meu coração, mais nada!

sábado, 6 de agosto de 2016

TRANSCENDÊNCIA




Há tempos, não sinto o cheiro
Dos teus negros cabelos,
O cheiro de dias, por lavar...
Dos teus dias
E de, talvez,
Eu embaraçado nos cachos:
Há tempos - os meus dias
Indo embora dos teus -
Uma cruz à traição
Nuns dias de fumaça,
Mais que sol.

Teus cabelos
Vão estar do mesmo jeito
De pontas esquecidas,
Há tempos.

O EVANGELHO SEGUNDO A VERDADE (Versículo Seis)




O que importa, pai,
É o preço da sede
Que me trouxe aqui.
Engolir o mundo
Num gosto de fel
Esperando de sobremesa,
O céu.

O que importa, pai,
É abrir a porta
E pagar o preço
Apagando a sede
Nesta alma torta.

O que importa, pai,
É o desespero que cai!

AUTO-CONSOLO


Nada de amizades
Nem piedades...
Quero vaidades.

Se murcham flores
Por que não amores?

Dionísio defronte ao caos e,
Mais que nunca,
O belo faz-se  essencial.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

MERCÚRIO



Em minha alma dorme
A sombra disforme
Dos meus passos.
Caminho a esmo
Sabendo de mim mesmo
Um mar de sargaços.
Todos os meus rastros
Estão na areia
Em paixões-alabastro:

Falta de sentimentos?
Fazer o que
Se os bustos de areia
Não suportam ventos.

ADÁGIO PROVINCIANO




O pulmão inveterado desenvolveu,
Às próprias custas,
A teoria da imortalidade do cheiro
Baseando-se no frasco vazio
De leite hidratante Davene -

As tardes passaram a recender
Cabelos molhados
Passeando em sandálias havaianas.

RECLAMES



Estou esperando carinhos
No vento áspero e tosco
Leste de setembro.

Notícias vêm da capital -
Falas arrancadas à força
Nas línguas magras,
Nos dentes podres,
No beiço,
Surrealmente torto,
De tão lindo
Na menina dos olhos
De meu coração.

Afeto quente
Sem pasta de dente
Navegando longe do tormento,
Calmaria em pensamento:

Minha pátria
Bem amada -
Aram meu quintal,
E como pensar o mal
Vendo contente
A mãe gentil,
Desovando percevejos
Pintando sobras
Em pratos raros,
Afagando a bunda
Das empregadas.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

TODO



Te sentir
É pegar uma estrela com as mãos
E deixar
Outras caírem no chão,
Junto com o sentido
De não pisar todos os lugares.
Meu chão é tão pouco.

Tenho a geometria
De todo o teu lábio
E já decorei teus dentes, no decoro,
Aquele ponto em que acaba
Foge do foco.
Talvez o furo no queixo,
Só que suspenso no ar.
Alguma coisa falta.

Teu sentir
É vento desconhecido de passagem,
Deixando o toque
E se embrenhando na miragem,
Trazendo um quase-cheiro
E levando um
Quase pode ser a chave.

Toda a civilização irrompe do olho
Com ruínas, metafísicas e medos,
Eu, conexo no momento, contemplo
E morro.

DESLEIXO



Deixo tua mão falar minha história
E tua boca pensar meu gosto
E como tudo,
Em agosto, eu deixo,
Desleixo.
E que a história
Que eu possa contar
Tenha a benção
Dos avós
E a aura de um retorno
E que o mundo inteiro,
De mim,
Seja eu ao ouvi-la,
Sem fim
E morra Deus
No brejo
Do seu banho
Escondido -
Não temos mais caído
Pra beijar
Desvalidos, mas,
Não é tarde.

CÍRCULO






Longa saída
De beijos
Furtando espaço -
A morte trazendo
A reboque,
A vida.

Longa saída-
Caminho de carne
Arquejado
No todo
Caminho -

Diminuto universo
De tato tão grande.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

DESTEMOR





Sou forte
E sei de mim a morte
De todas as estrelas
Caídas,
Cercando meu quintal.

Encontre-me rápido,
Antes da noite escura
Descobrir irmã
Na alma minha.
Sou forte -
Por favor encontre-me logo
Antes de ir-me embora
O medo dos fantasmas.