sábado, 26 de agosto de 2017
METEOROLOGIA
O poeta tapa o sol com a peneira
E guarda um pouco de chuva
No guarda-chuva
Para a manhã que estiver
Triste;
Depois chora escondido
Um choro que aprendeu
Sozinho -
Que tonto, o poeta! -
Todo mundo acredita
Na previsão do tempo.
O EVANGELHO SEGUNDO A VERDADE (Versículo Um)
Ele, o dia todo na lida,
Ela, o dia todo na vida.
Deles nasceu um filho
Que queria por o mundo nos trilhos
E se chamava Deus.
Morreu de incompreensão e cirrose
Na porta do botequim,
Deixando uma ínfima dor de cabeça
Nas cifras do turco Ibrahim
E se chamava Deus.
ZÉ VIRAMUNDO
A chuva lavou as paixões
Dependuradas
Nas paredes do velho quarto.
Lembro-me, agora,
De um amor
Esquecido, no mundo -
A aragem da terra lavada
Convidando à loucura
Da estrada:
Junto flores no embornal
E chegarei na estrela d'alva
Colorindo-me a manhã
De acordar-te o teu quintal.
Moro no fim do mundo,
Lá onde o vento leva toda história,
No bolso do casaco-sombra-triste
Um fio solto,
Tua memória.
PREGUIÇA
Não sei mais escrever
De tanto bobo que sou -
Tento sujeira!
Os pés de anjo
Flutuando navalhas,
Colorindo algodão
De besteira.
Não sei mais escrever
Esperança de chuva
Quando o céu clareou.
Ponteiros por mim,
Parindo bobeira,
Não sei mais escrever
De tanto bobo que sou.
PETER PAN
Já tenho a idade de um pai
Que filosofa feijão e inflação.
Deve ser mesmo complicado
Ser herói
E até fácil
Estrangular flores
Que teimam perfumar
Pétalas-pássaros
No vento assoviando
As grades de gaiola,
No lado de fora.
A maldição de ter o chão
Até onde a vista alcança,
Ter asas assanhadas
Nos pés dormentes,
Numa terra tão bonita,
De moças tão bonitas,
Tão bonitas.
Meu livro mais antigo
Tem a idade de um filho
E ainda não sabe andar!
Já tenho a idade de um pai
Mas, há tempo,
Já não sei chorar.
Sou forte até quando quiser!
DENTRO DA CHUVA RALA
Dentro da chuva rala
Esperando desenhos de sol,
Engolindo a poeira dos sonhos
Dançando o mastro do lindo.
Cantando um novo jeito
Em tomar os pés da música
E partir o coração de fada
Da manhã,
Até que o mesmo peito
Seja mais trago esquecido
E a navalha abrirá romãs
No vento cheiro da noite
Amanhecendo
E alvorando flamboiãs.
MENDICÂNCIA
Deixa-me confortar o pensamento
Na imensa placidez dos teus seios;
Deixa-me cheirar roça de algodão à tarde
E sonhar, perdida nas nuvens,
A musica que os ventos trazem dos desertos:
Na sombra dos teus altos seios brancos
Meu mundo tem conserto.
POESEJO
Queria,
Ah, como queria
Minha poesia
Morta de caligrafia,
Viva de vida vadia!
Seria,
Ah, como seria
Paixão de rosa
E estrume
Ventando perfume!
O sol sem regras
Brinca uma tigela azul
Tapando pios
Dos rouxinóis.
RETICÊNCIAS
Doravante, te amarei
Em reticências -
Você me lê:
Não tem clemência.
- Em que você está pensando?
- É que... Deixa pra lá...
CHUVA DE VERÃO
Estabeleço estratagemas
Nas lágrimas das musguentas
Telhas, tangentes
No velho chapéu
Do paiol.
De súbito,
Um vento trará, no gosto,
Este cheiro
Da dor perdida a um ano,
Uma vida,
Uma paixão atrás -
A dorandorinha
Na janela azul
Que a nuvem abrir ao céu,
Ainda quero comigo:
Mesmo sabendo do sol.
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
ARQUÍLOCO
Caíram todas as areias do tempo
E agora temos um límpido vidro
Para brincar de esconde-esconde
Com toda nossa saúde.
Deixe sua flauta
Engolindo as notas do vento
E vá vomitar suas vísceras podres
Noutra freguesia.
Também jogo vermes na sala limpa!
Aprendamos por vias tortas
O rápido caminho
Em matar de carinho
Ouvidos atrás das portas.
PREVIDÊNCIA
Dormindo cobertores
De notícias atrasadas,
Lastimando causas
Sem efeitos -
O jornal publica
Mendigos sem cores -
O asco preto e branco
É complacente
Com o café da manhã
Do bom burguês.
MENINA
Do pentear do teu cabelo
Sentir maravilhar-me
Do peso do teu pelo
Quero ressaquear-me
De toda beberagem
Consentir em emulherar-me
De tua marotagem
Sim, mulher -
Menina -
me quer
De quina
e desquer
De esquina.
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